terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Delegado pede exames para investigar morte de 13 homossexuais

Fonte:

http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL915604-5605,00.html

Mortes ocorreram em parque de Carapicuíba entre 2007 e 2008.
Onze das vítimas podem ter sido mortas com mesma arma.

Marcelo Mora Do G1, em São Paulo

A Polícia Civil solicitou novos exames para tentar esclarecer uma série de assassinatos ocorrida no Parque dos Paturis, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Os 13 crimes aconteceram entre fevereiro de 2007 e agosto de 2008.

O delegado Paulo Fernando Fortunato, seccional de Carapicuíba, disse nesta segunda-feira (8) que das treze vítimas, apenas uma foi morta a pauladas. “Houve essa vítima e uma outra que levou tiros de pistola .380. As demais foram atingidas por tiros de um revólver calibre 38”, explicou.

Ao menos três delas foram alvejadas na cabeça e outras três no tórax. As demais, levaram tiros na nuca, na testa, no rosto e nas costas. O delegado diz que, só agora estão sendo feito os exames de balística. “Só depois desses exames é que teremos a certeza de que todas essas vítimas, com exceção dos que foram mortos por tiros de pistola e por pauladas, foram mortos com a mesma arma.”

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Segundo o delegado, todas as vítimas eram homossexuais, o que o leva a crer que um assassino em série tenha cometido os homicídios. “Estamos freqüentando o parque com policiais descaracterizados e vigiando à distância”, disse.

Ele contou que os peritos do IML que examinaram os corpos à época dos crimes não teriam encontrado sinais de esperma. “Isso significa que não houve o ato sexual, não houve penetração. Como as vítimas foram encontradas com as calças abaixadas, ele as executava nesse momento, antes de ter relação.”

Fortunato aproveitou a entrevista coletiva à imprensa para alertar a população. “O local é perigoso. É uma área toda aberta e de chão de terra. Todos estão cientes deste perigo”, afirmou. A Prefeitura de Carapicuíba informou, por meio de nota, que vai fazer todos os esforços para reforçar o patrulhamento no local.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Paternidade homoparental

Fonte:

site oficial de Maria Berenice Dias



Maria Berenice Dias

Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS

Vice-Presidente Nacional do IBDFAM



As alterações ocorridas no modelo tradicional da sociedade não comprometeram os vínculos familiares nem acabaram com a família, que permanece sendo reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar.[1] Como bem diz Giselda Hironaka,[2] mudam os costumes, os homens e a história, só não muda a atávica necessidade de cada um de saber que, em algum lugar, se encontra o seu porto e seu refúgio, vale dizer o seio de sua família.

No contexto de um mundo globalizado, as pessoas passaram a viver em uma sociedade mais tolerante e, por se sentirem mais livres, partiram em busca da realização dos sonhos de felicidade, não se vendo premidas a permanecer dentro de estruturas preestabelecidas e asfixiantes. A preservação da liberdade de escolha e o direito de assumir os próprios desejos geraram a possibilidade de transitar de uma estrutura de vida para outra que pareça mais atrativa e gratificante. Essas mudanças cunharam um perfil diferenciado aos arranjos familiares, tornando imperiosa a busca de novos referenciais para albergar, no conceito de família, os vínculos distanciados da estrutura convencional imposta por uma sociedade conservadora, que reconhecia somente a união de um homem e uma mulher sacralizada pelos laços do matrimônio.

As realidades vivenciais, afastadas do selo da oficialidade, ainda que sem nome e sem lei, foram em busca de direitos, obrigações e reconhecimento. O sistema jurídico não resistiu às mudanças. A jurisprudência, por medo de comprometer a instituição do casamento, só conseguiu ver como uma sociedade de fato o que nada mais era do que uma sociedade de afeto, sem dar ouvido a João Baptista Villela: a teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor.[3] Exclusivamente para impedir o enriquecimento ilícito, as relações extramatrimoniais eram tratadas como sociedades comerciais, determinando-se a repartição dos lucros, isto é, a divisão dos bens adquiridos no período de convívio. Em vez de invocarem o Direito de Família, socorriam-se os juízes do Direito das Obrigações, chamando de sócios quem se uniu por amor em busca de uma comunhão de vidas.

A Constituição Federal de 1988 foi sensível à nova realidade. A proteção assegurada histórica e unicamente ao casamento passou a ser concedida à família. Além do casamento, foram reconhecidas outras entidades familiares, ainda que elencadas somente a união estável entre um homem e uma mulher e a comunidade dos pais com seus descendentes. Sendo uma norma de inclusão, como registra Paulo Luiz Lôbo, a enumeração é meramente exemplificativa, o que não permite excluir qualquer entidade que preencha os requisitos da afetividade, estabilidade e ostensividade.[4] Assim, ainda que abrangente, não é exauriente o rol constitucional que não alberga todos os universos familiares merecedores de proteção. A convivência dos filhos que não contam com a presença dos pais, os avós ou tios que criam os netos e os sobrinhos não podem ficar fora do conceito de família. Também descabe excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo que mantêm uma relação pontificada pelo afeto, merecendo a denominação de uniões homoafetivas.[5]

A família desvinculou-se do modelo originário. O movimento de mulheres, a disseminação dos métodos contraceptivos e os resultados da evolução da engenharia genética romperam o paradigma: casamento, sexo e procriação. Caiu o mito da virgindade. A concepção não mais decorre exclusivamente do contato sexual, e o casamento deixou de ser o único reduto da conjugalidade.

O conceito de família precisou ser reinventado. As relações extramatrimoniais dispõem de assento constitucional, e as uniões homoafetivas vêm sendo reconhecidas pela jurisprudência[6] como entidades familiares.

A visão pluralista das relações interpessoais levou à necessidade de buscar a identificação de um diferencial para definir família. Não se pode deixar de ver no afeto o elo que enlaça sentimentos e compromete vidas, transformando um vínculo afetivo em uma entidade familiar. O afeto é que conjuga.[7] O envolvimento emocional, o sentimento do amor que aproxima almas, enlaça vidas e embaralha patrimônios, gerando responsabilidades e compromissos mútuos, revelam o nascimento de uma família, a merecer abrigo no Direito de Família.

Não só a família, mas também a filiação foi alvo de profunda transformação, o que levou a repensar as relações paterno-filiais e os valores que as moldam.[8] Das presunções legais se chegou à plena liberdade de reconhecimento de filhos e à imprescritibilidade da investigação dos pais. Tais foram as mudanças, que a Constituição acabou com a perversa classificação dos filhos, diferenciação hipócrita e injustificável, enfatiza Zeno Veloso, como se as crianças inocentes fossem mercadorias expostas em prateleiras de mercadorias, umas de primeira, outras de segunda, havendo, ainda, as mais infelizes, de terceira classe ou categoria.[9]

Se o afeto passou a ser o elemento identificador das entidades familiares é este o sentimento que serve de parâmetro para a definição dos vínculos parentais, levando ao surgimento da família eudemonista, espaço que aponta o direito à felicidade como núcleo formador do sujeito.[10]

A facilidade de descobrir a verdade genética, com significativo grau de certeza, desencadeou uma verdadeira corrida na busca da verdade real, atropelando a verdade jurídica, definida muitas vezes por meras presunções legais. À Justiça coube a tarefa de definir o vínculo paterno-filial quando a estrutura familiar não reflete o vínculo de consangüinidade. No confronto entre a verdade biológica e a realidade vivencial, a jurisprudência passou a atentar ao melhor interesse de quem era disputado por mais de uma pessoa. Prestigiando o comando constitucional, que assegura com absoluta prioridade o interesse de crianças e adolescentes, regra exaustiva e atentamente regulamentada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, passaram os juízes a investigar quem a criança considera pai e quem a ama como filho. O prestígio à afetividade fez surgir uma nova figura jurídica, a filiação socioafetiva, que acabou se sobrepondo à realidade biológica.

A moderna doutrina não mais define o vínculo de parentesco em função da identidade genética. A valiosa interação do Direito com as ciências psico-sociais ultrapassou os limites do direito normatizado e permitiu a investigação do justo buscando mais a realidade psíquica do que a verdade eleita pela lei. Para dirimir as controvérsias que surgem – em número cada vez mais significativo – em decorrência da manipulação genética, prevalece a mesma orientação. Popularizaram-se os métodos reprodutivos de fecundação assistida, cessão do útero, comercialização de óvulos ou espermatozóides, locação de útero, e todos viram a possibilidade de realizar o sonho de ter filhos.

Nesse caleidoscópio de possibilidades, os vínculos de filiação não podem ser buscados nem na verdade jurídica nem na realidade biológica. A definição da paternidade está condicionada à identificação da posse do estado de filho, reconhecida como a relação afetiva, íntima e duradoura, em que uma criança é tratada como filho, por quem cumpre todos os deveres inerentes ao poder familiar: cria, ama, educa e protege.[11]

Para evitar confronto ético, acabou sendo imposto o anonimato às concepções heterólogas, o que veda identificar a filiação genética. Mas essa verdade não interessa, pois o filho foi gerado pelo afeto, e não são os laços bioquímicos que indicam a figura do pai, mas, sim, o cordão umbilical do amor. A paternidade é reconhecida pelo vínculo de afetividade, fazendo nascer a filiação socioafetiva. Ainda segundo Fachin, a verdadeira paternidade não é um fato da Biologia, mas um fato da cultura, está antes no devotamento e no serviço do que na procedência do sêmen. [12]

Se a família, como diz João Baptista Villela, deixou de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, o que imprimiu considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade,[13] imperioso questionar os vínculos parentais nas estruturas familiares formadas por pessoas do mesmo sexo.

Não se pode fechar os olhos e tentar acreditar que as famílias homoparentais, por não disporem de capacidade reprodutiva, simplesmente não possuem filhos. Se está à frente de uma realidade cada vez mais presente: crianças e adolescentes vivem em lares homossexuais. Gays e lésbicas buscam a realização do sonho de estruturarem uma família com a presença de filhos. Não ver essa verdade é usar o mecanismo da invisibilidade para negar direitos, postura discriminatória com nítido caráter punitivo, que só gera injustiças.

As situações são várias, cabendo lembrar as que surgem com mais freqüência. Após a separação com prole, o pai ou a mãe que tem a guarda dos filhos resolve assumir sua orientação sexual e passa a viver com alguém do mesmo sexo. O companheiro do genitor não é nem pai nem mãe dos menores, mas não se pode negar que a convivência gera um vínculo de afinidade e afetividade. Não raro o parceiro participa da criação, desenvolvimento e educação das crianças, passando a exercer a função parental.

Outra opção cada vez mais comum é um do par se submeter à reprodução assistida. Este será o pai ou a mãe. O parceiro ou parceira, que não participou do processo reprodutivo, fica excluído da relação de parentesco, ainda que o filho tenha sido concebido por vontade de ambos. Os gays utilizam esperma de um ou de ambos, e, realizada a fecundação in vitro, a gestação é levada a termo por meio do que se passou a chamar de barriga de aluguel. As lésbicas muitas vezes optam pela utilização do óvulo de uma, que, fecundado em laboratório, é introduzido no útero da outra, que leva a gestação a termo. Nessas hipóteses, o pai ou a mãe biológica é somente um deles, ainda que o filho tenha sido concebido por amor, processo do qual participaram os dois.

A adoção vem sendo incentivada por campanhas, como modalidade de amenizar o grave problema social das crianças abandonadas ou institucionalizadas. A esse apelo só pode responder um dos parceiros. No entanto, mesmo sendo adotada por um, a criança vai ter dois pais ou duas mães.

Em todas essas hipóteses, permitir que exclusivamente o pai (biológico ou adotante) tenha um vínculo jurídico com o filho é olvidar tudo que a doutrina vem sustentando e a Justiça vem construindo: a tutela jurídica dos vínculos afetivos, pois não é requisito indispensável para haver família que haja homem e mulher, pai e mãe, como lembra Sérgio Resende de Barros.[14]

A maior visibilidade e melhor aceitabilidade das famílias homoafetivas torna impositivo o estabelecimento do vínculo jurídico paterno-filial com ambos os genitores, ainda que sejam dois pais ou duas mães. Vetar a possibilidade de juridicizar a realidade só traz prejuízo ao filho, que não terá qualquer direito com relação a quem exerce o poder familiar, isto é, desempenha a função de pai ou de mãe. Presentes todos os requisitos para o reconhecimento de uma filiação socioafetiva, negar sua presença é deixar a realidade ser encoberta pelo véu do preconceito.

Existindo um núcleo familiar, estando presente o elo de afetividade a envolver pais e filhos, a identificação da união estável do casal torna imperioso o reconhecimento da dupla paternidade. Para assegurar a proteção do filho, os dois pais precisam assumir os encargos do poder familiar. Como lembra Zeno Veloso, o princípio capital norteador do movimento de renovação do Direito de Família é fazer prevalecer, em todos os casos, o bem da criança; valorizar e perseguir o que melhor atender aos interesses do menor (favor filii).[15]

A enorme resistência em aceitar a homoparentalidade decorre da falsa idéia de que são relações promíscuas, não oferecendo um ambiente saudável para o bom desenvolvimento de uma criança. Também é alegado que a falta de referências comportamentais pode acarretar seqüelas de ordem psicológica e dificuldades na identificação sexual do filho. Mas estudos realizados a longo tempo mostram que essas crenças são falsas. O acompanhamento de famílias homoafetivas com prole não registra a presença de dano sequer potencial no desenvolvimento, inserção social e sadio estabelecimento de vínculos afetivos. Ora, se esses dados dispõem de confiabilidade, a insistência em rejeitar a regulamentação de tais situações só tem como justificativa uma indisfarçável postura homofóbica.

Está na hora de acabar com a hipocrisia.

Negar a realidade, não reconhecer direitos só tem uma triste seqüela: os filhos são deixados a mercê da sorte, sem qualquer proteção jurídica. Livrar os pais da responsabilidade pela guarda, educação e sustento da criança é deixá-la em total desamparo. Há que reconhecer como atual e adequada a observação de Clovis Bevilaqua[16] ao visualizar um misto de cinismo e de iniqüidade, chamando de absurda e injusta a regra do Código Civil de 1916 que negava reconhecimento aos filhos adulterinos e incestuosos.

Outra não é a adjetivação que merecem os dispositivos do Projeto de Lei da Parceria Civil Registrada, de nº 1.151/95, e do Pacto de Solidariedade, de nº 5.252/2002, que vedam quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros ou pactuantes. Cabe repetir as palavras indignadas de Cimbali: Estranha, em verdade, a lógica desta sociedade e a justiça destes legisladores, que, com imprudente cynismo, subvertem, por completo, os mais sagrados principios da responsabilidade humana.[17]

Agora, pelo jeito, se está chamando de espúrio o filho pelo simples fato de, em vez de um pai e uma mãe, ter dois pais ou duas mães. Quem sabe a intenção é arrancá-lo de sua família, que, como toda família, é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições.[18]

Para o estabelecimento do vínculo de parentalidade, basta que se identifique quem desfruta da condição de pai, quem o filho considera seu pai, sem perquirir a realidade biológica, presumida, legal ou genética. Também a situação familiar dos pais em nada influencia na definição da paternidade, pois família, como afirma Lacan, não é um grupo natural, mas um grupo cultural, e não se constitui apenas por um homem, mulher e filhos, conforme bem esclarece Rodrigo da Cunha Pereira: a família é uma estruturação psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, desempenha uma função, sem estarem necessariamente ligados biologicamente. Assim, nada significa ter um ou mais pais, serem eles do mesmo ou de sexos diferentes.

Mais uma vez o critério deve ser a afetividade, elemento estruturante da filiação socioafetiva, pois, como diz Giselle Groeninga, a criança necessita de pais que transmitam a verdade dos afetos.[19] Não reconhecer a paternidade homoparental é retroagir um século, ressuscitando a perversa classificação do Código Civil de 1916, que, em boa hora, foi banida em 1988 pela Constituição Federal.

Além de retrógrada, a negativa de reconhecimento escancara flagrante inconstitucionalidade, pois é expressa a proibição de quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. As relações familiares são funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe,[20] e a negativa de reconhecimento da paternidade afronta um leque de princípios, direitos e garantias fundamentais, como o respeito à dignidade, à igualdade, à identidade. Não se pode esquecer que crianças e adolescentes têm, com absoluta prioridade, direito à vida, à saúde, à alimentação, à convivência familiar, e negar o vínculo de filiação é vetar o direito à família: lugar idealizado onde é possível, a cada um, integrar sentimentos, esperanças e valores para a realização do projeto pessoal de felicidade.[21]



(Artigo publicado na obra coletiva Direito de Família e Psicanálise – rumo a uma nova epistemologia, Imago Editora, Rio de Janeiro, 2003, p. 269/275 e no CD-ROM CD Jurídico, Editora IRD, Poços de Caldas - MG, janeiro de 2004).

[1] ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2003, p. 198.

[2] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 21.

[3] VILLELA, João Baptista. As novas relações de família. Anais da XV Conferência Nacional da OAB. Foz do Iguaçu, set. 1994, p. 645.

[4] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Identidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte, 2002, p. 95.

[5] Expressão cunhada pela autora na obra intitulada União Homossexual: o preconceito e a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

[6] No julgamento da Apelação Cível nº 70001388982, a Sétima Câmara Cível do TJRS, Relator o Des. José Carlos Teixeira Georgis, pela primeira vez concedeu direitos hereditários ao parceiro sobrevivente, orientação que vem sendo adotada por outros tribunais.

[7] BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, Jul-Ago-Set. 2002, v. 14, p. 9.

[8] ALMEIDA, Maria Cristina de. DNA e estado de filiação à luz da dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 179.

[9] VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 90.

[10] CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. Anais do I Congresso de Direito de Família, Belo Horizonte, 1988, p. 486.

[11] NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001, p. 85.

[12] FACHIN, LuizEdson. Família hoje. A nova família: problemas e perspectivas. Vicente Barreto (Org.), Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 85.

[13] Villela. João Baptista. Desbiologização da Paternidade. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, nº 21, 1979, p.404.

[14] BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, Jul-Ago-Set. 2002, v. 14, p. 9.

[15] VELOSO, ZENO. Direito brasileiro da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 180.

[16] BEVILAQUA, Clovis. Código Civil, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1941, v. II, p. 329.

[17] in BEVILAQUA, op. loc. cit.

[18] OUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2003, p. 198.

[19] GROENINGA, Giselle. O secreto dos afetos – a mentira. Boletim do IBDFAM, nº 19, mar/abr 1993, p. 7.

[20] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de Família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2ª ed. 2001, p. 93.

[21] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 21.

Especial: Pesquisadores da USP estudam novo método de prevenção a Aids

Fonte:

http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=6460

Por Marcelo Hailer 1/12/2008 - 12:42

Segundo o censo epidemiológico de 2008 do programa brasileiro DST/AIDS, o Brasil tem hoje 640 mil pessoas infectadas com o vírus HIV, sendo que, um dado preocupante foi revelado: a maior o número de novos casos cresceu entre homens heterossexuais acima de 50 anos. Para conter o avanço da epidemia, novas estratégias de prevenção vem sendo estudadas. Entre elas os microbicidas, a circuncisão e, mais recentemente, a profilaxia pré-exposição.

"Os números da epidemia ainda são muito altos no mundo e tem se pensado em novas estratégias de prevenção. Vai levar muitos anos para termos uma vacina que funcione. Por isso, hoje tem se pensado na questão da 'Profilaxia Pré-Exposição', de se usar um medicamento que possa complementar o sexo seguro e prevenir a infecção nas populações mais vulneráveis", diz Ricardo Gambôa, coordenador de recrutamento e retenção do estudo iPrEx (iniciativa Profilaxia Pré-Exposição), que acontece na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Trata-se de um estudo de um comprimido complementar à prevenção do vírus da AIDS.

Ricardo conta que a equipe vem se preparando para o início do estudo desde o ano passado. A respeito do remédio, o Truvada, Ricardo explica que se trata de "um comprimido composto por dois medicamentos: Entricitabina e Tenofovir. Um estudo com o Tenofovir foi feito com mulheres na África e teve um número bastante positivo em termos de prevenção, cerca de 70%".

Já em fase de teste com animais, o remédio tem obtido resultados positivos . "O uso do Truvada nos animais impediu em 100% dos casos que eles fossem infectados por um vírus semelhante ao HIV". Ricardo Gambôa revela também que o medicamento já é aprovado e usado para o tratamento anti-retroviral. "Estamos fazendo esse estudo justamente pra confirmar se ele impede a infecção, além de testar a segurança quando tomado por pessoas saudáveis".

Gueto medicinal
Ricardo Palacios, médico especialista em infectologia e um dos coordenadores do protocolo iPrEx, diz que além do objetivo de se chegar a um remédio "é desmistificar a doença também por parte do pessoal de saúde. Nós enquanto pesquisadores da saúde não concordamos que devemos colocar infecção por HIV/Aids como se fosse uma doença de um gueto especifico, mas sim que deve ser atendido como qualquer outra patologia".

O infectologista revela que este foi um dos motivos que fez o grupo trazer tal estudo para o Brasil. "Quando nós trouxemos a nossa pesquisa pra a Universidade de São Paulo (USP) não era a nossa idéia tratar dessa questão [Aids] numa casinha a parte, queríamos que esse protocolo estivesse no mesmo prédio onde são tratados todos os pacientes do Hospital das Clínicas (HC)". Assim, Palacios acredita que irá quebrar preconceito ao fazer uma travesti sentar em uma sala de espera ao lado de uma senhora que veio tratar de hipertensão. "Fazemos isso porque não acreditamos em gueto", afirma.

Profilaxia
A respeito da profilaxia pré-exposição, Ricardo diz que o estudo não é algo novo e que surgiu a partir da idéia da profilaxia pós-exposição. "Acidentes que aconteciam com trabalhadores da saúde. Por exemplo, um cirurgião se cortava durante uma cirurgia, uma enfermeira que se furava com uma agulha durante a aplicação. Esses acidentes demonstravam que havia exposição em potencial por HIV. Com a profilaxia pós-exposição, a infecção por acidentes reduziu 70%", avalia.

A partir daí médicos começaram a se questionar a respeito da profilaxia pré-exposição ao vírus. "Nós começamos há três anos nos posicionar no sentido de que a exposição de uma pessoa com acidente de trabalho comparado com a pessoa que está exposta sexualmente é muito menor". Segundo Ricardo, "é mais fácil você ser infectado por exposição sexual. Então, se começa a trabalhar a idéia de: por que não aplicar a profilaxia às pessoas que tiveram uma exposição sexual com o risco de ser infectada por HIV?".

O infectologista argumenta que se uma pessoa se expõe "ao longo do ano 30, 40 vezes, a pergunta é: não da para fazer o contrário, tomar o medicamento antes da exposição? Nesse grupo muito particular de pessoas [profissionais do sexo e pessoas que às vezes não usam camisinha] que, em razão de sua vulnerabilidade ainda não conseguem controlar a quantia de exposição, não seria indicado mais uma forma para que ela possa se proteger?". O médico faz questão de enfatizar que a camisinha é a maneira mais segura de se proteger.

Prevenção e preconceito
É sabido por todos que a Igreja Católica é uma das vozes mais ferozes contra o uso da camisinha. Questionado se sua equipe teme represálias dos setores religiosos, Ricardo diz que espera "uma reação igual a qualquer método anticoncepcional. Vão dizer que estamos incitando a promiscuidade, é uma reação natural, não tem saída".

A discussão se estende também a médicos e cientistas. "Há médicos que dizem ser uma incitação a promiscuidade, e também que é um comprimido que vai proteger contra o HIV, mas não vai proteger contra a sífilis, contra a gonorréia, que não vai proteger contra todas as outras DSTs e é verdade. Mas fazemos questão de deixar claro que, sem a camisinha, o remédio é um fracasso", pontua Ricardo.

Sobre o estudo ser focado em gays, bissexuais, homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais, Ricardo explica que "há muitos protocolos de profilaxia pré-exposição que estão acontecendo no mundo e a maior parte deles atendem a população de mulheres heterossexuais". Assim, conclui que "não há necessidade de repetir os estudos que estão acontecendo em outros lugares, e tem também a questão da necessidade específica de cada país, são vulnerabilidades diferentes".

Campanha e voluntários
Ricardo Gambôa conta que já estão com o material gráfico pronto para a campanha que pretende atrair voluntários para o teste do remédio. Apenas esperam sinal verde do comitê de ética. "Estes materiais serão distribuídos em algumas casas noturnas, bares, lanchonetes que fiquem dentro das regiões de freqüência de nosso público-alvo", revela Ricardo que conta com a colaboração de Silvetty Montila, Bill da Pizza e Dindry Buck.

"A campanha é para chamar as pessoas a participarem de um estudo em pesquisa. No Brasil não existe uma cultura de participação como voluntários em ensaios clínicos", diz Gambôa. Sobre números de participantes, Ricardo diz que para esse estudo "se estipulou 600 pessoas para o Brasil. Dessas 600, 400 são do Rio de Janeiro onde há dois centros que estão tocando esse estudo, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação Oswaldo Cruz. Em são Paulo, serão 200 voluntários no Centro de Pesquisas da Faculdade de Medicina da USP".

Se você se interessou e quer ser voluntário, o site do estudo pode ser visitado no endereço www.iprex.org.br.

"A função da lei não é apenas punir, mas prevenir", diz autor da lei anti-homofobia paulista

Disponível em:

http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=6225

Por Marcelo Hailer 5/11/2008 - 15:21

Renato Simões exerceu três mandatos enquanto deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo. Em sua última atuação como parlamentar teve aprovada e sancionada a lei 10.948 pelo ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP), considerada hoje a principal conquista do movimento LGBT do estado paulista.

A lei pune administrativamente estabelecimentos públicos e privados e pessoas que cometam atos discriminatórios contra homossexuais. Hoje, cinco de novembro, completa sete anos de existência. Começou a ganhar a mídia e notoriedade após o caso de Justo Favaretto, que ganhou em última instância indenização de R$14 mil por ser chamado de "viado". A lei também foi responsável por duas condenações sofridas pelo mercado Carrefour.

A respeito de sua real significância para a comunidade LGBT, Renato Simões, hoje Secretário dos Movimentos Sociais e Políticas Setoriais do PT , respondeu algumas perguntas ao site A Capa. Aqui, ele fala se a lei fez a homofobia diminuir, se é pouco divulgada e também dá sua opinião sobre o PLC 122.

Quando o senhor apresentou o Projeto de Lei, acreditava que fosse passar pela Alesp (Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo) e ser sancionado pelo ex-governador Alckmin?
Sabíamos das dificuldades de aprovar legislações contra a homofobia numa casa conservadora como a Alesp. O governo e a base aliada tinha sido desafiada a um balanço do que foi efetivamente realizado dos compromissos do Programa Estadual dos Direitos Humanos. A III Conferência Estadual de Direitos Humanos levantou um saldo profundamente negativo no que diz respeito às políticas de garantia de direitos dos LGBT. Adotamos uma estratégia parlamentar combinada com o movimento social de baixo perfil, sem grandes alardes que pudessem criar uma polarização com as bancadas mais retrógradas. E aprovamos a matéria dessa forma, numa negociação entre os líderes partidários do final do ano legislativo de 2001, já com o compromisso da Secretaria de Justiça de defender a sanção do projeto, caso aprovado.

A lei foi fruto de uma articulação entre o senhor e o movimento. Gostaria que comentasse um pouco a respeito dessa articulação.
A partir do momento em que constatamos a omissão do Programa Nacional de Direitos Humanos em relação ao tema dos direitos LGBT e a falta de cumprimento das políticas estaduais contidas no Programa Estadual desde 1997, decidimos ingressar com uma bateria de projetos de leis de competência estadual sobre vários temas: a criação do Conselho Estadual; a legislação sobre os direitos dos/as funcionários/as públicos/as em relação estável; o estabelecimento de datas, como a do Orgulho Gay, da Visibilidade Lésbica e Contra a Homofobia, e esta que pune a homofobia. Ela veio no embate pela criminalização da homofobia, que é matéria federal, mas foi adaptada para punições administrativas compatíveis com a competência estadual, como as advertências, multas e punições a estabelecimentos privados ou órgãos públicos que violam os direitos nela contidos. A aprovação dos pareceres nas comissões temáticas favoráveis ao projeto e a votação em plenário foram acompanhadas pelo movimento, sempre numa atitude mais reservada porém firme na defesa dos seus direitos.

Acredita que desde que a lei foi aprovada, há sete anos, tem sido benéfica aos LGBT?
Acredito que sim. Graças a ela, o tema da homofobia ganhou uma resposta do Estado e casos anteriormente escondidos ganharam publicidade a partir de sanções impostas pela Comissão Especial criada na Secretaria de Justiça do Estado. A visibilidade das atitudes homófobas encorajou vítimas a defenderem seus direitos, a denunciarem as violações e a ganhar parcelas da opinião pública para a solidariedade com os/as que lutam por seus direitos.

A lei é mal divulgada?
Infelizmente sim. Nosso mandato publicou cerca de 1 milhão de exemplares distribuídos nas Paradas do Orgulho Gay em São Paulo, várias entidades do movimento LGBT imprimiram seu texto e orientações de como utilizar a lei, mas a resposta do Estado ainda é muito tímida. A própria lei prevê obrigações do Estado em divulgar amplamente o conteúdo da lei, mas ela ainda permanece desconhecida de muitos órgãos públicos que têm obrigação de orientar as pessoas sobre seus direitos, como as escolas, postos de saúde, delegacias de polícia, entre outras.

Falta a comunidade LGBT se apropriar da lei?
Creio que este é um processo que vem crescendo. Mais gente aciona a lei em defesa de seus direitos, conquistas repercutem, mais gente se anima a denunciar ou promover a lei. Muitos ainda pensam que diante da violação de direitos o mais adequado é o silêncio, a sujeição por vários motivos – o medo, a vergonha, o descrédito de que justiça possa ser feita... Mas, como disse, esse é um processo sem volta, e crescente.

Como o senhor vê estabelecimentos como o Carrefour (punido duas vezes pela lei 10.948) serem condenados?
É muito importante que não só pessoas físicas, mas empresas e órgãos públicos sejam condenados por violações de seus/suas agentes, pois a homofobia não é uma atitude meramente individual. Há um ambiente coletivo e institucional que encoraja esse tipo de comportamento. No caso de empresas privadas, em particular quando o(a) agressor(a) é da segurança da empresa, a condenação mostra que a política corporativa deve ser modificada, pois denota uma orientação equivocada que precisa ser corrigida. E a função da lei não é apenas punir, mas prevenir a homofobia.

O Estado de São Paulo conta com esta lei que, limitada ou não, protege de alguma maneira a população LGBT. Então, gostaria de saber do senhor por que o congresso federal não consegue aprovar o PLC 122?
Acredito que o PLC 122 encontra uma resistência muito grande porque seu alcance é com certeza maior que a da Lei 10.948. Criar um tipo penal para a homofobia é uma tarefa muito árdua, e valorizo a ação dos(as) parlamentares que estão dedicados(as) a esta tarefa. Além disso, o sucesso de leis como a 10.948 também criou uma maior articulação da direita e de setores religiosos fundamentalistas contra avanços na lei federal. Aqui mesmo em São Paulo, é bom lembrar que já derrotamos dois projetos de lei revogando a lei 10.948, de deputados que não se reelegeram – Afanásio Jazadji (DEM) e Daniel Marins (PP) - mas ainda há um terceiro em andamento de autoria do vice-presidente da Assembléia Legislativa, Waldir Agnello (PTB), que lidera o lobby evangélico da Alesp pela revogação da Lei. Por isso, além de lutar por avanços, é preciso que o movimento LGBT não perca de vista a necessidade de preservar as conquistas, vira e mexe ameaçadas por projetos desta natureza.

Efetivamente, a lei estadual diminuiu a homofobia no Estado de São Paulo?
Não temos indicadores para avaliar. As estatísticas oficiais sempre foram de total inoperância para estimar atos homofóbicos em São Paulo e no Brasil. O que se pode avaliar é que vem crescendo o número de denúncias, e que estas vêm sendo tratadas seriamente na Comissão Especial criada para aplicar a Lei 10.948. Mas ainda há muito que se buscar para evitar a homofobia e puni-la exemplarmente quando esta ocorrer.

A polícia militar de São Paulo está preparada para realizar B.Os dentro dessa lei?
Com certeza não, como de resto também não está preparada a Polícia Civil. Movimentos LGBTs vêm sendo convidados para palestras nas Academias de Polícia e para encontros com autoridades policiais. Mas é muito comum que posturas como a homofobia, o sexismo, o racismo, o preconceito de classe se expresse nas repartições policiais quando vitimas de violação de seus direitos ali buscam o registro de suas queixas. Esta pauta é importante para os movimentos LGBT e de direitos humanos em geral, e com certeza poderia ser tratada na I Conferência Nacional de Segurança Pública convocada pelo governo federal para o início de 2009.

Para militante Julian Rodrigues, direitos gays são a última fronteira da cidadania

Falta a última fronteira da cidadania

Ulysses Guimarães tinha razão. A Carta constitucional promulgada em outubro de 1988 constitui-se num marco histórico, entre outras razões, porque trouxe novos paradigmas e metas bastante ousadas, que apontam na direção de uma sociedade mais igualitária e democrática. Fruto de um momento especial de ascensão dos movimentos sociais e da luta pela democratização, a "Constituição cidadã" é muito melhor do que os seus detratores tentaram nos fazer crer nas últimas duas décadas.

Da desqualificação de Sarney ("a Constituição torna o país ingovernável), passando pela fúria liberal de Collor (recordemo-nos do "emendão", que praticamente instituía outra Carta), até o período FHC (que retirou parte importante dos mecanismos de regulação do mercado, direitos sociais e garantia da própria soberania nacional), a Carta de 1988 foi vítima de ataques dia sim, dia não, dos conservadores de todas as matizes e da grande mídia.

É fácil de entender. Além de um capítulo fortíssimo e progressista no âmbito dos direitos e garantias individuais, a Constituição de 1988 ousou muito na política social, ambiental e nos direitos trabalhistas. O rumo apontado para a universalização da saúde pública (SUS), para a educação, para a seguridade social, para o meio ambiente, para os direitos humanos, para a garantia dos direitos das mulheres, dos negros, dos indígenas, das crianças e adolescentes inscreveu na sociedade brasileira um novo patamar. Mesmo num ambiente político e ideológico de hegemonia conservadora (década de 1990), muito se avançou em termos de legislação infraconstitucional no que tange à garantia de direitos e às políticas sociais e de combate à discriminação.

Uma lacuna e um déficit

Apesar da formulação categórica dos artigos 3º e 5º - que vedam qualquer tipo de discriminação - a Constituição de 1988 ficou com uma lacuna importante ao não mencionar, explicitamente, a proibição da discriminação por orientação sexual.

Ou seja, há sim uma base igualitária na Constituição Federal, que não permite nenhum tipo de discriminação e não impede que cidadãos ou cidadãs homossexuais tenham seus direitos reconhecidos. Não existe, portanto, nenhuma base para sustentar que milhões de pessoas devam se sujeitar a uma série restrições legais.

Por outro lado, como já mencionado, a Carta de 1988 não inscreveu em seu texto a questão da não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero - embora essa demanda tenha sido pautada pelo então incipiente movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), principalmente através de João Antonio Mascarenhas, um dos principais ativistas da história desta luta. Infelizmente, a proposição não foi vitoriosa, mesmo com apoios importante como o do deputado federal José Genoino (PT-SP).

A nova Carta, desta forma, absorveu uma série de demandas dos movimentos sociais, mas o ambiente político e cultural da época não permitiu que os direitos das minorias sexuais ficassem formal e explicitamente assegurados.

Mas o princípio fundamental da não discriminação (de qualquer espécie) e o objetivo de assegurar uma sociedade justa, livre e igualitária já são mais que suficientes para indicar ao Congresso Nacional e à sociedade brasileira que é preciso formular e implementar mecanismos que reconheçam à cidadania plena à população LGBT e que combatam a homofobia.

Neste sentido, o parlamento brasileiro tem uma dívida importante com milhões de pessoas, pois, 20 anos depois da promulgação da Constituição, ainda não temos nenhuma lei que diga respeito à cidadania desta população, historicamente tão discriminada. Na prática, temos um déficit de democracia, pois milhões de pessoas, no Brasil de 2008, têm dezenas de direitos negados apenas porque tem uma orientação sexual diferente da maioria, ou porque têm uma identidade de gênero diferente de seu sexo biológico (travestis e transexuais). Na prática, um dos preceitos fundamentais da nossa Lei Maior está sendo descumprido.

Atravessar a última fronteira dos direitos civis

O não-reconhecimento legal da população LGBT, macula a construção democrática no Brasil. É urgente que o Congresso e o Judiciário façam valer os já referidos artigos constitucionais que impedem qualquer tipo de discriminação.

As lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais não têm, ainda, seus direitos civis reconhecidos, como o direito à união estável, adoção como casal ou à proteção de suas famílias. Também não contam com nenhuma lei federal que proíba a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero.

Talvez essa seja a última fronteira a atravessar para incluir milhões de pessoas na democracia que vimos, a duras penas, construindo. Diferentemente do que já aconteceu no caso das mulheres ou dos negros/as, a população LGBT não é reconhecida legalmente e, na prática, tem uma cidadania de segunda categoria. A pauta dos direitos dos LGBT é questão emergente em diversos países, não só na Europa, mas na América Latina, onde vários países vizinhos já avançaram nesta questão.

Um dos obstáculos a superar para atravessar essa última fronteira dos direitos civis é neutralizar os discursos fundamentalistas religiosos que pretendem, a todo o momento, influir nas decisões do Congresso e do Judiciário embasados em interpretações teológicas tacanhas e discriminatórias da Bíblia cristã.

Ora, mas o Estado brasileiro é laico e a fé é questão privada, de foro íntimo. A contrapartida da ampla liberdade de crença é a observação rigorosa do princípio da laicidade. Uma determinada crença religiosa não pode agir como força política reacionária que imponha a discriminação a milhões de outros cidadãos.

Ficam, assim, as perguntas. Até quando milhões de pessoas terão seus direitos negados pelo Estado brasileiro? Será que apenas oposição de setores fundamentalistas religiosos (barulhentos, mas minoritários) justifica essa inércia do Congresso Nacional?

Já é mais do que urgente a aprovação das leis que reconheçam os direitos desta população que paga impostos e vota, mas é ignorada pelo nosso sistema legal.

Até quando esperar?

Julian Rodrigues*, licenciado em Letras e especialista em economia do trabalho, é ativista do movimento LGBT de São Paulo, membro do Instituto Edson Neris e do Fórum Paulista LGBT. É também consultor da ABGLT para questões legislativas.