terça-feira, 28 de outubro de 2008

Soropositivos estão isentos de pagar tarifa de ônibus

Disponível em:

http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=5910

Por Redação 6/10/2008 - 18:16

Os portadores paulistanos do vírus HIV não vão mais pagar tarifa de ônibus. A decisão foi tomada na semana passada pela Justiça do Estado e é resultado de uma ação civil movida pelo Ministério Público. Os soropositivos serão beneficiados até que o processo termine.

Em novembro de 2006, o Ministério Público entrou com uma liminar na Justiça com o propósito de reestabelecer a isenção tarifária, mas o pedido foi indeferido. O MP emitiu um agravo de instrumento no Tribunal de Justiça, que concedeu posteriormente uma antecipação de tutela, garantindo assim o direito dos soropositivos.

"Entende-se que na necessidade terapêutica do paciente não se enquadra tão somente o acesso aos tratamentos médicos, medicamentos ou vagas em hospitais. Deve ser considerado, também, o transporte dos pacientes aos locais de tratamento", declara o juiz André Salomon Tudisco, que julgou a ação e apresentou a sentença na segunda-feira passada (29/09).

A Prefeitura de São Paulo e a SPTrans são obrigadas a permitir que os soropositivos estejam isentos das tarifas. Os órgãos deverão expedir e renovar, por tempo indeterminado, carteiras, credenciais, passes ou quaisquer documentos que permitam o acesso gratuito dos portadores do vírus HIV aos serviços de transportes oferecidos pela SPtrans, incluindo eventual acompanhante.

Penitenciárias de Pernambuco discutem homofobia

Disponível em:
Por Thiago Tomaz 21/10/2008 - 18:53

Quando criou o Centro de Referência de Combate à Homofobia, o Movimento Gay Leões do Norte começou a mapear, através de questionários, as regiões onde mais aconteciam violações dos direitos humanos. Com os dados, eles descobriram também a situação precária e vexatória dos presos LGBTs."Algumas travestis, por exemplo, nos contaram que não eram respeitadas. Muitas vezes tinham que ficar sem camisa e mostrar os seios", afirma um dos diretores da organização, Marconi Costa. A partir de amanhã (22/10), o grupo coloca em vigor em Pernambuco, o projeto inédito 'Unidades Prisionais sem Homofobia'.
Segundo Marconi, a ação, que busca tornar o sistema penitenciário mais inclusivo, funcionará na Colônia Penal Feminina e no Presídio Aníbal Bruno, e terá a presença de 30 LGBTs. "Primeiro vamos pegar os que têm orientação sexual definida", declara. Nos encontros, serão discutidas questões como saúde e cidadania, além da explicação do que é a orientação sexual e como é definida.As reuniões na Colônia Penal acontecerão nos dias 22 e 29 de outubro e 12, 19 e 26 de novembro. No presídio Aníbal, acontecem nos dias 24 e 31 de outubro e 14, 21 e 28 de novembro.Ao final de cada encontro, o grupo entregará um relatório à Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH). "Através do documento, esperamos que o governo tome medidas no sentido da melhoria da qualidade de vida dos presos e de sua re-socialização", aponta Marconi.

Menos de 1% dos gastos mundiais com Aids são destinados à prevenção de homens gays

Disponível em:

http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=5383

Por Redação 13/8/2008 - 16:46


Dados da Unaids (Órgão das Nações Unidas para AIDS ) de 2006, mostram que menos de 1% dos 669 milhões de dólares gastos no combate ao vírus HIV no mundo é destinado a homens que fazem sexo com homens.Indagado sobre o assunto, o diretor executivo da Sociedade Internacional de Aids, Craig McClure, afirmou que "é muito difícil prestar serviços aos homens gays nos países que não reconhecem a prática do sexo homossexual."Aliado ao aumento das taxas de homens gays e bissexuais infectados pelo HIV, o valor insignificante dos gastos torna-se preocupante. Por conta disso, peritos destacaram a homofobia como a principal barreira contra a prevenção da Aids.Na semana passada, durante a Conferência Internacional de Aids, no México, o secretário geral da ONU (Organização das Nacões Unidas), Ban Ki-moon, aconselhou as nações a aprovar leis contra a homofobia. Segundo ele, só assim a disseminação do HIV diminuiria."As escolas devem ensinar respeito e compreensão. Os líderes religiosos devem pregar a tolerância. Os meios de comunicação social devem condenar o preconceito e usar a sua influência para fazer avançar a mudança social, de assegurar proteções legais para garantir o acesso aos cuidados de saúde," afirmou.Em entrevista, a chefe de Política Empresarial e Relações Públicas em Terrence Higgins Trust (THT), Lisa Power, disse que o foco da conferência foi o problema do estigma da Aids associado aos homens gays e bissexuais e pessoas soropositivas. "Basicamente, até que se pare de perseguir essas pessoas, você não conseguirá impedir a propagação do HIV".

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A Homossexualidade na Mídia - O que Mudou?

Disponível em:

http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=5399

Por Marcos Freitas* 14/8/2008 - 21:06

Sabemos que muita coisa mudou na questão da homossexualidade na mídia, mas temos que admitir que ainda falta uma grande jornada para uma situação minimamente favorável. Ultimamente todas as novelas tem abordado personagens gays em suas tramas, mas são gays fora do convencional, gays sem libido sexual, do mesmo jeito que a sociedade quer que nós sejamos. São gays a partir de um ponto de vista fundamentalista, e não é isso o que queremos. Porque não existem em novelas gays que se amam? Gays que se beijam e se envolvem em cenas românticas? Pois é esse gay que existe na sociedade, e se a novela é para retratar a sociedade, nada mais justo do que um gay com libido sexual ativa.

Na última novela global houve uma cena de um registro de união estável. Muitos pensaram que finalmente ocorreria um beijo gay. Temos que admitir que nunca uma novela foi tão longe, mas percebemos claramente que a cena foi cortada, e em troca disso, foi inserido um comentário homofóbico pela personagem que interpretava o juiz que estava registrando a união ao dizer que "Nunca em tantos anos de trabalho, ele tinha presenciado tanta frescura". Na sociedade é aceitável uma noiva e um noivo se preocuparem com a decoração, com o andamento da cerimônia, mas num casamento gay, isso não é permitido, além de todos os direitos que nos são negados, não podemos festejar com o que nos resta, não podemos fazer uma união estável com festa, com glamour sem sermos rotulados de frescos. Concordo quando dizem que o comentário do juiz foi para retratar a homofobia que existe de fato nessa questão, mas se eles se sentem a vontade para retratar a homofobia, porque não se sentem a vontade para tratar da questão do beijo e do romantismo gay em suas tramas.

A Rede Record, uma rede comandada por bispos da Igreja Universal, também inclui em suas tramas personagens gays. Em suas igrejas gays são criticados, tratados como pessoas passíveis de descarrego e cura espiritual, mas em suas tramas as personagens gays são abordadas. A questão para isso é simples: fatores econômicos. Ser uma empresa Gay-friendly é ser politicamente correta. Mas, o que não podemos admitir é a hipocrisia com que o tema é tratado nas tramas das novelas. A corrida para que as empresas se tornem Gay-friendly sem ofender os seus clientes heteros está cada vez mais competitiva. Recentemente assistimos uma propaganda muito bonita da pomada Nebacetin que causou revolta de consumidores fundamentalistas que prometeram usar outro produto com o mesmo principio ativo do produto. Essa discussão aconteceu na Comunidade do Orkut do Silas Mafalafia - O Pastor Ungido pelo Ódio, as empresas ficam nesse impasse, pois sabemos que o objetivo de toda empresa é o lucro, e muitas não hasteiam uma bandeira Gay-friendly por medo de um boicote de consumidores homofóbicos.

Na Inglaterra foi veiculado um comercial de uma maionese da marca Heinz que exibia um beijo gay. Consumidores revoltados ligaram para o departamento de marketing da empresa pedindo que retirasse o comercial de veiculação. Grupos de defesa LGBT se revoltaram, protestaram, mas nada adiantou, o pedido foi atendido e o comercial saiu do ar. Vemos que a resistência da homossexualidade na mídia não é um problema apenas aqui no Brasil, é um problema global. As empresas vêem os consumidores gays como um público-alvo forte, mas ficam divididas entre os dois pontos desse iceberg. Tenho certeza que muitas famílias não usam mais a maionese Heinz, é uma pena vermos tanta homofobia em torno de um assunto tão simples, a aceitação, a vida é única e intransferível.

Só sabemos que muitas mudanças ocorreram, o caminho para aceitação na mídia apenas começou. O que não podemos é partir para o conformismo, vermos casos isolados como a lei estadual que combate a homofobia em São Paulo, e aceitarmos como algo favorável. Sabemos que a lei não tem a aplicabilidade que ela deveria ter, ainda falta muita informação para as vitimas de homofobia. Recentemente foi noticiado o primeiro caso de punição da lei, mas sabemos que não foi o primeiro caso de homofobia em estabelecimentos comerciais. Mudanças estão ocorrendo, mas, em contrapartida, homossexuais estão morrendo, estão sendo assassinados e espancados, e a certeza da impunidade é o que motiva o crime. Sempre costumo dizer que a criminalidade no Brasil não se dá por conta das leis brandas, mas sim por conta de certeza da impunidade. É o caso da homofobia, não precisamos de leis rígidas, precisamos de leis que tenham aplicabilidade, apatir daí veremos mudanças no cenário do Brasil Homossexual.

* Marcos Freitas, 27 anos, idealizador do blog http://www.passageirodomundo.blogspot.com/

enviou o texto para a Redação do site A Capa

Ministério da Saúde confirma que gays não podem doar sangue

Disponível em:

http://www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=5765

Por Redação 22/9/2008 - 14:03

Em nota técnica na enviada na última sexta-feira, (19/09) o Ministério da Saúde confirmou que gays e homens que fazem sexo com outros homens (HSH) não podem ser doares de sangue. Segundo os representantes do Ministério, os grupos "mantêm conduta de risco de infecção de doenças como Hepatite B, C e AIDS".

A nota intitulada "Situação de risco acrescido para doação de sangue" é baseada em algumas pesquisas recentes e outras nem tanto, relacionadas à Aids. De acordo com os dados, no Brasil a Epidemia de Aids é menor que 1% na população em geral, e maior que 5% em gays e HSH.

Além disso, estudos nos EUA e na Inglaterra também apontam diferenças significantes no número de casos de Aids entre gays e entre heterossexuais. O mesmo é dito sobre a hepatite C, em uma pesquisa de 1991, "HSH pode ser considerado de risco acrescido para infecção pelo vírus da hepatite C (VHC), apesar da via sexual não ser uma via efetiva de transmissão do vírus".

O Ministério da Saúde chega a conclusão de que estão inaptos para doação de sangue: homens e ou mulheres que tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas, e os parceiros sexuais destas pessoas; pessoas que tenham feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos, sem uso do preservativo; pessoas que foram vitimas de estupro; homens que tiveram relações sexuais com outros homens e ou as parceiras sexuais destes; homens ou mulheres que tenham tido relação sexual com pessoa com exame reagente para anti-HIV, portador de hepatite B; pessoas que estiveram detidas por mais de 24h; pessoas que tenham colocado piercing ou feito tatuagem em lugares que não apresentavam condições de segurança; pessoas que tenham apresentado exposição a sangue ou outro material de risco biológico; pessoas que sejam parceiros sexuais de hemodialisados e de pacientes com historia de transfusão sanguínea; pessoas que tiveram acidente com material biológico.

Antes de encerrar o comunicado, a entidade pede desculpas pela restrição de doadores. "O objetivo não é a exclusão do grupo de gays e HSH desta generosa prática; nem tampouco apoiar atitudes de constrangimentos e de discriminação desta natureza nos serviços de hemoterapia".

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A discriminação sob a ótica do Direito

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http://www.mariaberenice.com.br/site/content.php?cont_id=64&isPopUp=true


Maria Berenice Dias

Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

Sumário: 1. A primazia do cidadão; 2. O direito e suas gerações; 3. O perfil familiar convencional; 4. O panorama social atual; 5. A Justiça frente aos direitos não-legislados; 6. A responsabilidade da função judicial.

1. A primazia do cidadão

O mundo está cada vez menor. Os efeitos da globalização e a evolução tecnológica permitem saber instantaneamente o que ocorre em qualquer lugar. Basta lembrar que o mundo presenciou, em tempo real, a queda das Torres do World Trade Center. Esse mundo, agora chamado de aldeia global, vive em plena “era dos direitos”, para usar a expressão de Norberto Bobbio.[1] Nunca se falou tanto em direitos fundamentais, direitos humanos, universalização de direitos.

Decanta-se, em todos os quadrantes do planeta, a necessidade do respeito aos direitos humanos, cuja violação gera retaliações e severas sanções por parte de organismos internacionais. A Constituição Federal elegeu o respeito à dignidade humana como seu dogma maior, com arrimo nos princípios da igualdade e da liberdade.

Por tudo que se diz, por tudo que se proclama e defende, dever-se-ia estar vivendo a época de maior plenitude do indivíduo, pois se encontra aureolado por uma gama de direitos e garantias. Mister que o Estado, que se quer Democrático de Direito, esteja dotado de mecanismos ágeis e eficazes para preservar o cidadão. Assim, as instituições sociais, cada vez mais imbuídas da necessidade de proteger o indivíduo e a própria sociedade, devem tomar consciência da necessidade de participar do processo de “humanização da humanidade”.

2. O direito e suas gerações

Em 26 de agosto de 1789, na França, foi editada a mais famosa declaração de direitos, a denominada “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”. O movimento feminista logrou substituir dita nomenclatura para “Declaração dos Direitos Humanos”.

O uso da expressão “declaração” evidencia que os direitos enunciados não são criados ou instituídos, são meramente “declarados”, por se tratar de direitos preexistentes, que derivam da própria natureza humana. Daí serem direitos naturais, abstratos e universais.

Os direitos fundamentais, chamados de direitos individuais, configuram a primeira geração de direitos. Têm como tônica a preservação da liberdade individual. Caracterizam-se como imposição de limites ao Estado, gerando simples obrigação de não-fazer. Buscam libertar todos e cada um do absolutismo de um ou de alguns sobre todos. Originariamente, no plano político, surgiram para livrar o povo do absolutismo do monarca e seus agentes. A liberdade individual irrestrita só pode ser limitada pela lei, expressão da vontade geral, exclusivamente em função do interesse comum. Daí serem identificados os direitos da primeira geração com a busca da liberdade.

Os direitos econômicos, sociais e culturais, positivados a partir da Constituição de Weimar, de 1919, são tidos como de segunda geração. Cobram atitudes positivas do Estado, verdadeiras obrigações de fazer, com a finalidade de promover a igualdade. Não a mera igualdade formal de todos frente à lei, mas a igualdade material de oportunidades, ações e resultados entre partes ou categorias sociais desiguais. Buscam proteger e favorecer juridicamente os hipossuficientes em relações sociais específicas. Tais direitos parciais garantem uma prestação diferenciada do Estado a determinados indivíduos, a fim de promover a igualdade social, buscando igualar os desiguais. Voltada para as relações sociais, em que a desigualdade se acentua por um fator econômico, físico ou de qualquer outra natureza, a segunda geração identifica-se com o direito à igualdade.

Os direitos de terceira geração sobrevieram à Segunda Guerra Mundial, reagindo aos extermínios em massa da humanidade praticados na primeira metade do Século XX tanto por regimes totalitários (stalinismo, nazismo) como democráticos (destruição de cidades indefesas, até por bombas atômicas). Na medida em que o gênero humano se mostrou técnica e moralmente capaz de se autodestruir, voltaram-se os olhos às relações sociais em geral, não para garantir indivíduo contra indivíduo, mas a humanidade contra a própria humanidade. Tal suscitou a solidariedade de todos os indivíduos e categorias da sociedade diante de uma possível extinção da humanidade, seja gradativamente, por degradação dos meios necessários à vida humana, seja sumariamente, pela abrupta supressão das condições de sobrevivência.

Nesse momento, os direitos humanos internacionalizaram-se. A soberania estatal restou delimitada por meio da criação de sistemas normativos supranacionais com o fim de preservar os direitos humanos e reconstruir paradigmas éticos para restaurar o respeito à dignidade da pessoa humana. Surgiram os direitos difusos de toda a humanidade. No processo de socialização do estado contemporâneo, a evolução do estado liberal para o estado social de direito fez imperiosa a conscientização de todos da indispensável participação ativa de cada um. Não mais cabe aguardar a iniciativa dos governantes ou lhes delegar com exclusividade o encargo de assegurar a função social dos direitos humanos. É dever de todos e de cada um perante cada um e perante todos.

Com tal passo, cuja concreção ainda falta ser atingida, a evolução dos direitos humanos atinge o seu ápice, a sua plenitude subjetiva e objetiva. São direitos humanos plenos, de todos os sujeitos contra todos os sujeitos, para proteger tudo que condiciona a vida humana. Trata-se da fixação de valores ou bens humanos, como patrimônio da humanidade, que garantam a existência com a dignidade que lhe é própria.

3. O perfil familiar convencional

Apesar de todos os dogmas, princípios e regras que buscam assegurar a primazia dos direitos humanos, a sociedade, em nome da preservação da moral e dos bons costumes, impõe padrões de comportamento restritos. Com seu perfil nitidamente conservador, cultua valores absolutamente estigmatizantes, insistindo em repetir o modelo posto.

Tal postura gera um sistema de exclusões baseado muitas vezes em meros preconceitos. Tudo que se situa fora do estereótipo acaba sendo rotulado de “anormal”, ou seja, fora da normalidade. O que não se encaixa nos padrões aceitos pela maioria é apontado como uma afronta à moral e aos bons costumes. Essa visão polarizada é extremamente limitante.

Não se pode esquecer o que a sociedade fez com o negro: em face de sua cor, tornou-o escravo. Também as mulheres foram – e ainda são – alvo de discriminações. Só em 1932 adquiriram a cidadania, e até 1962 se tornavam relativamente capazes ao casar. Também os filhos, até 1988, tinham direitos limitados, sendo rotulados por expressões ultrajantes pela singela circunstância de haverem sido concebidos fora do casamento de seus pais.

Principalmente no âmbito das relações familiares, evidencia-se a tendência de formatar os vínculos afetivos segundo os valores culturais dominantes em cada época. Por influência da religião, o Estado limitou o exercício da sexualidade ao casamento, instituição indissolúvel que regula não só as seqüelas de ordem patrimonial, mas a própria postura dos cônjuges, impondo-lhes deveres e assegurando direitos de natureza pessoal, chegando ao ponto de invadir a privacidade do lar.

A união que nasce por vontade dos nubentes é mantida após a solenização do matrimônio independente e até contra a vontade dos cônjuges. Mesmo com o advento da Lei do Divórcio, ainda que haja o consenso do casal, somente é deferida a separação ou o divórcio após o decurso de determinado prazo. Caso contrário, é necessária a identificação de um culpado, o qual, no entanto, não pode tomar a iniciativa do processo. Tudo isso evidencia a intenção de dificultar o fim do casamento e punir quem simplesmente quer dele se desvencilhar.

A família consagrada pela lei – a sagrada família – é matrimonializada, patriarcal, patrimonializada, indissolúvel, hierarquizada e heterossexual. Pelas regras do Código Civil,[2] os relacionamentos que fugissem ao molde legal, além de não adquirir visibilidade, estavam sujeitos a severas sanções. Chamados de marginais, nunca foram reconhecidos como família. Primeiro se procurou identificar os vínculos afetivos extramatrimoniais com uma relação de natureza trabalhista, e só se via labor onde existia amor. Depois, a jurisprudência passou a permitir a partição do patrimônio, considerando uma sociedade de fato o que nada mais era do que uma sociedade de afeto.

Mesmo quando a própria Constituição Federal albergou no conceito de entidade familiar o que chamou de “união estável”, resistiram os juízes a inserir o instituto no âmbito do Direito de Família, mantendo-o no campo do Direito das Obrigações. A dificuldade de as relações extraconjugais serem identificadas como verdadeiras famílias revela a sacralização do conceito de família. Ainda que inexista qualquer diferença estrutural com os relacionamentos oficializados, nem sequer se faz uso da analogia, mecanismo que a lei disponibiliza como forma de colmatar as lacunas da lei. A negativa sistemática de estender a esses novos arranjos os regramentos do direito familial mostra-se como uma tentativa de preservação da instituição da família dentro dos padrões convencionais.

4. O panorama social atual

O distanciamento do Estado em relação à Igreja (fenômeno chamado de laicização), bem como a quebra da ideologia patriarcal trouxeram como conseqüência a liberação dos costumes. A chamada revolução feminina, fruto tanto do movimento feminista como do aparecimento dos métodos contraceptivos, e a evolução da engenharia genética (que gerou formas reprodutivas independentes de contatos sexuais) acabaram por redimensionar o próprio conceito de família.

No contexto atual, não mais se pode identificar como família apenas a relação entre um homem e uma mulher ungidos pelos sagrados laços do matrimônio. Rompidos os paradigmas identificadores da família, que se esteavam na tríade casamento, sexo e reprodução, necessário buscar um novo conceito de entidade familiar.

A família não se restringe ao relacionamento com o selo do casamento. A Justiça, ao emprestar juridicidade ao que era chamado de concubinato, impôs ao constituinte o alargamento do conceito de entidade familiar. Tal mudança de paradigma faz com que se reconheça que a pedra de toque para a identificação de um elo de natureza familiar é a presença de um vínculo afetivo.

No momento em que se enlaça no conceito de família, além dos relacionamentos decorrentes do casamento, também o que a Constituição Federal chamou de uniões estáveis e as famílias monoparentais, mister albergar mais um gênero de vínculos afetivos. As relações homossexuais – hoje chamadas de uniões homoafetivas – merecem ser inseridas no âmbito do Direito de Família.

5. A Justiça frente aos direitos não-legislados

A sociedade, no momento em que se estrutura, para a concreção de seus fins, ou seja, promover o bem comum, outorga a um Poder o encargo de fazer justiça. Segundo Mauro Cappelletti,[3] o que se deve garantir não é mera forma de acesso à justiça, mas, sim, o acesso a uma ordem jurídica justa.

Mas, a quem questionar se o Poder Judiciário se desincumbe do dever de dar a cada um o que é seu, a resposta negativa se impõe. No próprio âmbito da jurisdição, os mais comezinhos direitos humanos são violados. A lei não consegue acompanhar o acentuado desenvolvimento econômico, político e social dos dias de hoje, não tendo condições de seu arcabouço prever todos os fatos sociais dignos de regramento. Os vínculos interpessoais são os mais sensíveis à evolução dos costumes, à mudança de valores e dos conceitos de moral e de pudor. Dada a aceleração com que ocorrem, escapam da legislação tradicional.

Em face das lacunas que acabam ocorrendo, o magistrado precisa atentar em que as regras legais existentes não podem servir de limites à prestação jurisdicional. Quando o fato sub judice não está previsto na normatização ordinária, a resposta precisa ser encontrada nos direitos fundamentais que cada vez mais vêm buscando guarida nas Constituições. Não se trata de forma alternativa de se fazer justiça, mas de encontrar uma solução que atenda aos ditames de ordem constitucional.

Imperioso que as interpretações dos juízes sejam criativas.

Ante situações novas, buscar subsídios em regras ditadas para relações jurídicas diversas tende a uma solução conservadora. Mas, tanto não reconhecer direitos sob o fundamento de inexistir previsão legal, como fazer uso de referenciais normatizados para situações outras e em diverso contexto temporal, nada mais é do que mera negação de direitos. Assim, é um dever da jurisprudência inovar diante do novo.

O surgimento de novos paradigmas leva à necessidade de rever os modelos preexistentes, atentando-se na liberdade e na igualdade, pilares da democracia, que estão calcados muito mais no reconhecimento da existência das diferenças. Essa sensibilidade deve ter o magistrado. Tomando como norte a necessidade de assegurar os direitos humanos em sua plenitude subjetiva e objetiva, individual e social, imperioso pensar e repensar a relação entre o justo e o legal. Precisam os juízes arrostar as novas realidades que lhes são postas à decisão e não ter medo de fazer justiça.

6. A responsabilidade da função judicial

O paradoxo entre o direito vigente e a realidade existente, o confronto entre o conservadorismo social e a emergência de novos valores e novas estruturas de convívio colocam os operadores do Direito diante de um verdadeiro dilema, em face da necessidade de implementação dos direitos de forma ampliativa.

A sociedade que se proclama defensora da igualdade é a mesma que ainda mantém uma posição discriminatória nas questões de gênero. Em decorrência de uma visão estereotipada da mulher, exige-lhe uma atitude de recato, sendo feita uma avaliação comportamental dentro de requisitos de adequação a determinados papéis sociais. Ainda se vislumbra nos julgados uma postura eminentemente protecionista, que dispõe de uma dupla moralidade. Aparecem com freqüência os termos “inocência da mulher”, “conduta desregrada”, “perversidade”, “comportamento extravagante”, “vida dissoluta”, “situação moralmente irregular”, adjetivações essas ligadas exclusivamente ao exercício da sexualidade. Esses questionamentos jamais foram feitos em relação ao homem. Portanto, são expressões que guardam uma forte carga ideológica que desconsidera a liberdade da mulher.

Também nítida é a rejeição social à livre orientação sexual. A homossexualidade existe e sempre existiu, mas é marcada por um estigma social. É renegada à marginalidade por se afastar dos padrões de comportamento tidos por “normais”. Tal postura homofóbica decorre de mero preconceito que leva à inaceitação dos relacionamentos homossexuais, sendo considerados uma afronta à moral e aos bons costumes. Porém, é discriminatório afastar a possibilidade de reconhecimento das uniões estáveis homossexuais. Trata-se de uma união que surge de um vínculo afetivo e gera um enlaçamento de vidas com desdobramentos de caráter pessoal e patrimonial, estando a reclamar regramento jurídico.

Assim, ante a atual posição do homem e da mulher e as novas estruturações familiares, necessária uma revisão crítica e uma atenta avaliação valorativa do fenômeno social, para que se implemente a tão decantada igualdade.

Nesse contexto, é fundamental a missão dos operadores do Direito, que necessitam tomar consciência de que a eles está delegada a função de agentes transformadores dos valores estigmatizantes que levam ao preconceito.

Na trilha do que venha a ser aceito pelos tribunais, como merecedor de tutela, acaba ocorrendo a aceitação social, a gerar, por conseqüência, a possibilidade de se cobrar do legislador que regule as situações que a jurisprudência consolida.

Uma sociedade que se quer justa, livre, solidária, fraterna e democrática não pode viver com cruéis discriminações, quando a palavra de ordem é a cidadania e a inclusão dos excluídos. Para cumprir esse lema, é fundamental a atuação dos juízes, que necessitam tomar consciência de que o estado de direito não é um simples estado de legalidade, e a verdadeira justiça não é meramente formal.

(Publicado na Revista Brasileira de Direito de Família, nº 13, abr-mai-jun/2002, p. 05/12; site Mundo Jurídico. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2003; CD-ROM Juris Síntese Millennium, Síntese Publicações, maio – junho/2003; CD-ROM da Revista Brasileira de Direito de Família, Editora Síntese, nº 4 e no site Instituto de Estudos Jurídicos da ULBRA – Santa Maria. Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2003).



[1] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[2] A referência é ao Código Civil de 1916.

[3] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1888.

Jornal O Liberal: União entre homossexuais caminha para a normalidade

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ENFIM

Desembargadora diz que esse tipo de união tende a ser aceito pela Justiça brasileira

O assunto ainda é polêmico, principalmente na esfera judicial, quando se trata de uniões homoafetivas. Nesse campo, 'o legislador tem os olhos voltados para trás'. Quem afirma é a desembargadora e presidente da Câmara de Direito de Família e Sucessões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias. A autora de vários livros sobre direito de família, dois deles dedicados às relações homoafetivas - 'União Homossexual - O preconceito e a Justiça' e 'Conversando sobre homoafetividade' (editora Livraria do Advogado), ela esteve em Belém no encerramento do IV Congresso Paraense de Direito de Família, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), seção Pará. Segundo Berenice, a união homossexual está percorrendo o mesmo caminho da união estável entre pessoas do mesmo sexo - também chamada de união extraconjugal ou concubinato, que levou 70 anos para ser reconhecida na Constituição Federal.

Nesse tempo, diz a desembargadora, 'a Justiça Brasileira deixou milhares de mulheres famintas junto com seus filhos, sem alimentos nem direitos sucessórios decorrentes da morte do companheiro'. Ela afirma que a dificuldade de reconhecer que a convivência deve ser baseada no vínculo de afeto, independentemente dos sexos, impede que as uniões homossexuais sejam inseridas no âmbito do Direito de Família, e até hoje a maioria das ações correm por meio das varas cíveis e de outros ramos do Direito. Em caso de herança por morte de uma dos parceiros, o herdeiro consegue na Justiça, no máximo, de 20%, 30% do patrimônio que ajudou a construir.

O primeiro Estado a mudar isso foi o Rio Grande do Sul, a terra de Maria Berenice, onde a jurisprudência já reconhece como união estável, sem fazer analogia a outros casos. Lá, ela afirma que vêm sendo garantidos todos os direitos da união estável a homossexuais, mesmo sem o reconhecimento do Superior Tribunal Federal (STJ), que ainda não reconheceu a união estável, mas já acolheu alguns direitos.


VIOLÊNCIA


Outro ganho, diz a desembargadora, veio recentemente com a Lei Maria da Penha, contra a violência doméstica, que reconhece a violência em família, independentemente da orientação sexual de seus integrantes. 'Com a chegada da Lei Maria da Penha, não há como se falar, por exemplo, em impossibilidade jurídica de um pedido, porque é uma lei bem clara em reconhecer todo tipo de violência doméstica, independentemente do sexo. Resta agora a lei ser aplicada de fato a todos os casos', avalia Maria Berenice.

Ela citou a Lei Maria da Penha ao lembrar um polêmico caso ocorrido no ano passado, no Rio de Janeiro, em que o STJ teve que obrigar a Justiça do Rio de Janeiro a acolher e julgar uma proposta por um casal homossexual, um brasileiro e um canadense, que já eram casados no exterior e pediam o reconhecimento da união estável no Brasil. 'O preconceito é tão perverso que aquela ação do Rio foi abortada pelo juiz no nascimento, alegando que havia impossibilidade jurídica do pedido, que não estava dentro do âmbito da tutela de Estado e, por isso, o recurso foi ao STJ, que garantiu aos autores que o processo pelo menos fluísse, não importando qual fosse o resultado', conta a desembargadora.