domingo, 28 de setembro de 2008

Liberdade sexual e direitos humanos

Disponível em:



http://www.mariaberenice.com.br/site/content.php?cont_id=57&isPopUp=true


Maria Berenice Dias

Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

Palestra proferida no III Congresso de Direito de Família, promovido pelo IBDFAM e pela OAB-MG, na data de 26/10/2001, em Ouro Preto-MG.

Indispensável que se reconheça que a sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sua sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade à livre orientação sexual.

Visualizados os direitos de forma desdobrada em gerações, é imperioso reconhecer que a sexualidade é um direito de primeira geração, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade. A liberdade compreende o direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário, independente da tendência sexual. Trata-se, assim, de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, e, como todos os direitos do primeiro grupo, é inalienável e imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza.

Também não se pode deixar de considerar a livre orientação sexual como um direito de segunda geração. A discriminação e o preconceito de que são alvo os homossexuais dão origem a uma categoria social digna de proteção. A hipossuficiência não deve ser identificada somente pelo viés econômico. É pressuposto e causa de um especial tratamento dispensado pelo Direito. Tanto que devem ser reconhecidos como hipossuficientes o idoso, a criança, o deficiente, o negro, o judeu e também a mulher, porque ela, como as demais categorias, sempre foram alvo da exclusão social.

A hipossuficiência social que se dá por preconceito e discriminação gera, por reflexo, a hipossuficiência jurídica. A deficiência de normação jurídica relega à margem do Direito certas categorias sociais, cujo critério não é o econômico. Não se pode, portanto, deixar de incluir como hipossuficientes os homossexuais. Mesmo quando fruam de uma condição econômica suficiente, são social e juridicamente hipossuficientes.

Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como um direito de terceira geração, que compreende os direitos decorrentes da natureza humana, tomados não individualmente, mas genericamente, solidariamente. A realização integral da humanidade abrange todos os aspectos necessários à preservação da dignidade humana e inclui o direito do ser humano de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. É um direito de todos e de cada um, a ser garantido a cada indivíduo por todos os indivíduos. É um direito de solidariedade, sem o qual a condição humana não se realiza, não se integraliza.

A sexualidade é um elemento da própria natureza humana, seja individualmente, seja genericamente considerada. Sem liberdade sexual, sem direito ao livre exercício da sexualidade, sem opção sexual livre, o próprio gênero humano não se realiza, falta-lhe a liberdade, que é um direito fundamental.

É descabido continuar pensando a sexualidade com preconceitos, isto é, pré-conceitos, conceitos fixados pelo conservadorismo do passado e engessados para o presente e o futuro. As relações sociais são dinâmicas. Não compactuam com preconceitos que ainda se encontram encharcados da ideologia machista e discriminatória, própria de um tempo já totalmente ultrapassado. Necessário é pensar com conceitos jurídicos atuais, que estejam à altura dos dias de hoje. Para isso, é imprescindível pensar novos conceitos.

Daí o papel fundamental da doutrina e da própria jurisprudência. Ambas necessitam desempenhar sua função de agentes transformadores de estagnados conceitos. Basta ver o que ocorreu com o concubinato, antigo e discriminado modo de viver substituído pela moderna expressão união estável. A alteração do conceito das chamadas relações extramatrimoniais foi provocada pelos operadores do Direito. A Justiça, ao extrair conseqüências jurídicas de ditos relacionamentos, fez com que chegassem à lei maior, ao texto da Constituição, sendo reconhecidos como entidade familiar pelo § 3º de seu artigo 226.

Da mesma responsabilidade não podem agora os juízes abrir mão, com referência às uniões de pessoas do mesmo sexo. Tal qual as relações heterossexuais, as uniões homossexuais são vínculos afetivos, vínculos em que há comprometimento mútuo. A união estável configura um gênero que comporta mais de uma espécie: a união estável heterossexual e a união estável homossexual. Ambas fazem jus à mesma proteção no âmbito do Direito de Família. Enquanto não surgir legislação que trate especificamente da união estável homossexual, é de buscar-se a legislação pertinente aos vínculos familiares. Sobretudo, as regras da união estável heterossexual, por analogia, são perfeitamente aplicáveis às uniões homossexuais.

Enorme o significado da recente positivação de tais direitos que acaba de ocorrer na esfera administrativa. O INSS normatizou a concessão de benefícios aos parceiros homossexuais[1] em face da decisão do Supremo Tribunal Federal estendendo os benefícios previdenciários aos pares do mesmo sexo. Esse, com certeza, é o primeiro passo para enlaçar tais relacionamentos na esfera da juridicidade.

Indispensável é reconhecer que os vínculos homoafetivos são muito mais do que meras relações homossexuais. Em verdade, configuram uma categoria social que não pode mais ser discriminada ou marginalizada pelo preconceito, sob pena de o Direito falhar como Ciência e, o que é pior, como Justiça.

Que entre o preconceito e a justiça, fique o Estado com a justiça e, para tanto, albergue no direito legislado novos conceitos, derrotando velhos preconceitos. A doutrina já está fazendo o seu papel, ao reconhecer a união estável homoafetiva como uma espécie do gênero união estável, ao lado da união estável heterossexual.

Está na hora de o Estado – que se quer democrático e que consagra como princípio maior o respeito à dignidade da pessoa humana – deixar de sonegar juridicidade aos cidadãos que têm direito individual à liberdade, direito social à proteção positiva do Estado e, sobretudo, direito humano à felicidade.

(Artigo publicado nos Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e Cidadania, O Novo CCB e a Vacatio Legis, p. 85/88 e no site do ICF. Disponível em: . Acesso em: 08 jun. 2004).



[1] Instrução Normativa nº 25/2000, de 09/6/2000.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

"É uma luta ridícula, por ainda ter de ser feita"

Disponível em:

http://vihver-vih.blogspot.com/2007/06/gays-continuam-sem-poder-doar-sangue.html

Médicos defendem aplicação da Lei em vigor


Continua a ser negada aos homossexuais a possibilidade de doar sangue, apesar de os critérios definidos em 2006 pelo Instituto Português do Sangue (IPS) defenderem que ninguém pode ser excluído da doação de sangue com base na sua orientação sexual.

É uma luta ridícula, por ainda ter de ser feita”, garante Ana Pires, da associação Médicos pela Escolha (MPE). No Dia Mundial do Doador do Sangue, celebrado ontem, a MPE questiona a discriminação latente, dado que não existe qualquer pressuposto científico que justifique a recusa de sangue de cidadãos homossexuais. “Existe um preconceito na sociedade e na comunidade médica que tem de ser combatido”, refere o médico Vasco Freire. Com o Plano Médico de 2004/10 a admitir a insuficiência da dádiva de sangue a nível nacional, a MPE garante que a triagem deve basear-se em factos científicos e não em preconceitos.

Gay sangue bom

Disponível em:
http://www.mgm.org.br/portal/modules.php?name=News&file=article&sid=108

22.11.06 - Em 22 de novembro, Dia Nacional da Luta pela Doação de Sangue, o movimento GLBT brasileiro lembra todos que, neste país, homossexuais são proibidos de doar sangue. Entenda o porquê, e vamos à luta contra este absurdo.

...

Faz muito tempo que todo mundo sabe que o vírus HIV não é exclusividade de homossexuais e que, muito menos, eles são os responsáveis por sua transmissão. Nada de grupos de risco, o Ministério da Saúde já trabalha com a idéia de situações de risco: transar sem camisinha, compartilhar seringa no uso de drogas e por aí vai. Assim, dá para ver que qualquer pessoa que não se cuide corre sérios riscos de se infectar, seja gay, heterossexual ou etcétera.


Apesar disso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério da Saúde que regula a coleta de sangue, impede que sejam doadores “homens que tiveram relações sexuais com outros homens ou as parceiras sexuais desses”. E isso durante um ano após a última relação sexual homem com homem (!!!). Por quê? A resposta só pode ser uma: puro preconceito.

É por isso que em 22 de novembro é comemorado o Dia Nacional de Doação de Sangue Homossexual. Em todo o país, os movimentos GLBTs se mobilizam para tentar mudar a Portaria nº 1.376, de 19.11.93, que regulamenta a doação. A Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis (AGLT), por exemplo, encaminhou ofício ao Ministério da Saúde pedindo que gays que sempre usam preservativos possam doar sangue.


Isso é dis-cri-mi-na-ção!


Na prática, se um homem for doar sangue e responder que teve relações sexuais com outro homem no último ano, ele será impedido de fazer a doação. Por outro lado, as pessoas que precisam daquele sangue continuarão esperando. Mas esse mesmo homem poderá fazer a doação sem problemas se mentir e negar que é gay, ou então, dizer que não teve relações sexuais com outro homem durante o período de um ano. Trata-se de um constrangimento e uma incoerência sem tamanho.


Como já dissemos, há muito que o conceito de grupo de risco já não é usado mais, e o próprio Ministério da Saúde financia campanhas que lutam pelo fim da homofobia. Só o fato de a Aids crescer muito entre mulheres e idosos já confirma a idéia de que, tecnicamente, toda a população sexualmente ativa pode estar em risco se não se cuidar.


A questão pode ser ainda mais séria. As campanhas para a doação de sangue evocam a cidadania daqueles que estão dispostos a doar. Ao mesmo tempo, nega um direito aos gays, excluídos de exercer uma ação solidária, colocando-os, mais uma vez, à margem.


E tem mais. A tal portaria se esquece de que todo sangue doado passa por rigorosos testes para impedir possíveis infecções durante a transfusão. Logo, não se justifica a invasão de privacidade e constrangimento pelo qual pode passar o doador homossexual. Não há o menor risco para os receptores. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que de 3% a 5% da população de um país doe sangue. No Brasil, essa taxa é de apenas 1,8%: o que não parece suficientemente preocupante para combater o preconceito.


Ao negar a doação de sangue por homossexuais, o Estado comete dois graves equívocos: a invasão da privacidade e a discriminação dos homossexuais; e a condenação de seres humanos que precisam do sangue doado por alguém.

Direitos iguais, nem mais, nem menos: doação já!



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Por Redação (VP)

SANGUE GAY: HISTÓRICO DA CAMPANHA PELA REVOGAÇÃO DA EXCLUSÃO DOS HOMOSSEXUAIS COMO DOADORES DE SANGUE

Disponível em:

http://brasil.indymedia.org/en/red/2003/01/45774.shtml

Luiz Mott
Professor Titular de Antropologia, UFBa
Fundador do Grupo Gay da Bahia

(escrito em 2001)


1. Cronologia da luta pela revogação da Portaria 1376/93

O Grupo Gay da Bahia (GGB), sociedade civil defensora dos direitos humanos e de cidadania dos homossexuais, a primeira ONG a iniciar a prevenção da Aids no Brasil (1982), vem acompanhando há 15 anos a evolução da política governamental e da opinião pública em relação à proibição de que homossexuais masculinos sejam doadores voluntários de sangue. O posicionamento do GGB tem-se pautado não por motivações corporativistas, emocionais ou políticas, mas por justificativas científicas e de operacionalidade estratégica, visando de um lado a proteção da população usuária de sangue e hemoderivados, do outro, a garantia dos direitos de cidadania da população homossexual garantidos pela Constituição Federal.
Assim sendo, em 1985, quando a transmissão homossexual/bissexual representava por volta de 70% das notificações de HIV no Brasil, e era inexistente ou muito limitado e deficiente, na maior parte dos Estados, o controle da qualidade do sangue nos hemocentros e bancos de coleta públicos e privados, ao sermos entrevistados pelos jornais de Belém sobre esta questão, manifestamos nossa concordância com a decisão da Secretaria de Estado da Saúde do Pará, de excluir os homossexuais como doadores voluntários na campanha de coleta de sangue coordenada pelo Centro de Hemoterapia do Pará.
Há 15 anos passados, considerávamos razoável esta exclusão, posto dominar na época, tanto no meio científico quanto nos órgãos de prevenção, a idéia da existência de grupos de risco, e julgarmos que para bem geral da população, tal exclusão não feria gravemente os direitos cidadãos das minorias sexuais, embora defendêssemos, já naquela data, "a criação urgente de Centros Especializados em diagnóstico e acompanhamento clínico de pacientes de Aids."
A partir daquela data 1985 ao longo dos últimos dez anos, embora fossem repetidas as cartas e denúncias recebidas pelo GGB, de gays de diferentes partes do Brasil, reclamando contra a proibição de doação de sangue por parte de homossexuais, argumentávamos que sendo a doação de sangue um ato voluntário e magnânimo, tal discriminação atingia tão somente pequenino número de doadores e que na agenda do movimento homossexual, havia outras manifestações muito mais graves e cruéis de discriminação anti-homossexual como os assassinatos e crimes homofóbicos, registrando-se um homicídio a cada três dias estas sim, discriminações gravíssimas, que deviam merecer nossa repulsa e mobilização nacional.
Cumpre notar que a iniciativa e prática de exclusão do sangue de doadores homossexuais antecede à portaria 1376/93 do Ministério da Saúde, tanto que já em 1985, "os funcionários do Centro Hemoterápico do Pará que estão fazendo coleta de sangue através de traillers estacionados em vários pontos da cidade, têm de fazer muitas perguntas aos doadores e receberam recomendação expressa de não aceitar doação de sangue de homossexuais."
Assim sendo, embora melhorasse ano a ano o rigor no controle técnico do sangue coletado no país, e o perfil epidemiológico da Aids evoluía, atingindo cada vez mais, às mulheres e heterossexuais, resistíamos a idéia levantar bandeira contra a portaria 1376/93, alegando que se tratava de discriminação periférica e motivada pelo bem da coletividade.
A partir de 1996, contudo, tantas foram as reclamações e denúncias dirigidas ao GGB, que decidimos finalmente questionar o Ministério da Saúde sobre a exclusão do sangue de homossexuais. Patenteava-se cada vez mais claramente que tal discriminação se baseava no preconceito homofóbico, insistindo em associar Aids à "peste gay". Mais grave ainda: tal exclusão não afetava apenas o doador gay, mas sobretudo parentes ou amigos do excluído, como aconteceu, entre muitos outros casos, em Salvador, com Adilson R. Afonso, 26, que foi impedido de socorrer a uma amiga necessitada de sangue pelo fato de ter escrito em sua ficha de doador que era homossexual.
Assim sendo, em ofício de 6 de abril de 1998, endereçado à Coordenação do Programa Nacional de DST/AIDS, do Ministério da Saúde, dizíamos que "em agosto de 1997 havíamos enviado ofício a esta Coordenação solicitando que o Ministério da Saúde divulgasse oficialmente seu posicionamento em relação à exclusão de homossexuais entre os potenciais doadores de sangue." Acrescentávamos: "são constantes as denúncias de homossexuais discriminados em diferentes órgãos de coleta de sangue em diversos Estados - como os que divulgamos no Boletim do Grupo Gay da Bahia, a saber: Brasília, Curitiba, Goiânia, Florianópolis e outras capitais, onde os hemocentros recusam-se receber doação de sangue de gays. "
Para reforçar a discussão e enfatizar a urgência de se alterar portaria tão discriminatória, o Grupo Gay da Bahia, com o apoio da Associação de Travestis de Salvador apresentou a seguinte proposta que foi aprovada por unanimidade no VI Encontro Nacional de Travestis que Trabalham com Aids, em Fortaleza, em Junho de 1998, moção que foi encaminhada à Coordenação de Aids do MS:
"Propomos que o Ministério da Justiça envie imediata comunicação formal a todos os bancos de sangue do Brasil, confirmando ser proibido discriminar homossexuais entre os doadores de sangue, exigindo que as Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios fiscalizem e façam cumprir tal determinação, prevendo sanções aos infratores."
Nos inícios de 1999, recebemos outra denúncia de discriminação assim descrita por um morador de São Paulo: "no folheto destinado aos doadores de Sangue da Fundação Pró-Sangue há uma série de recomendações e requisitos para a doação, incluindo impedimentos temporários de impedimentos e definitivos para a doação. É no terreno dos impedimentos definitivos que surgiu minha estranheza: lá está escrito, dentre outras coisas, que constitui impedimento definitivo "pertencer ao grupo de risco para AIDS, ou seja, homossexuais, bissexuais, usuários de drogas ou tóxicos, heterossexuais com vários parceiros ou com hábitos promíscuos". Lendo o texto acima citado, fiquei na maior dúvida: trata-se de preconceito - portanto, fato a ser denunciado e combatido - ou se trata de absoluta falta de confiabilidade dos testes realizados nas amostras de sangue doado - portanto, fato preocupante e alarmante para qualquer um que se submeta a uma transfusão de sangue? De qualquer maneira, estamos diante de fato que, me parece, deve ser levado à discussão."
Assim sendo, ao termos notícia através da mídia nacional, que o Ministério de Saúde da Argentina havia aprovado resolução não-homofóbica relativa à doação de sangue, de N.365/99, publicada no Boletim Oficial de 27 de maio de 1999, enviei ofício à Coordenação de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde solicitando maiores informações. Aos 30-8-1999 Assessora da Coordenação de Sangue e Hemoderivados, Dra. Sylvia Olyntho respondeu que "está em fase final de negociação a Resolução N.130 do MercoSul regerá as normas técnicas em substituição a portaria 1376/MS, e que suprime o conceito de grupo de risco e, explicita as situações de risco." Concluindo, informava que "com isso não ocorrerá mais este tipo de problemática".
Aos 17-12-1999, nossos jornais divulgavam que "lei do ministério da Saúde vai garantir que a partir de janeiro de 2000, quem tem relacionamentos homossexuais possa doar sangue, desde que prove ter vida sexual segura." Nesta mesma semana oficiei de novo à mesma Assessora da Coordenação de Sangue e Hemoderivados, solicitando informação sobre tal notícia, recebendo a informação de que "já foi publicado sob a forma de consulta aberta a portaria nº 1136, de 9/9/1999, que rege as normas técnicas dos serviços hemoterápicos. Em janeiro de 2000 iremos consolidar as sugestões e críticas a respeito da mesma. Ela entrará em vigor após esta consolidação de dados. Nesta portaria estão definidas as situações de risco, suprimindo o conceito de grupos de risco. Se houver necessidade de maiores informações, estaremos a disposição."
Três meses depois, aos 6 de março de 2000 voltei à carga, informando que "as reclamações dos homossexuais contra a discriminação nos hemocentros continuam chegando em numero cada vez maior." Em resposta, data de 1-6-2000, Dra. Sylvia Olyntho informou que "na última reunião do MercoSul foram analisadas as sugestões da consulta aberta, porém as novas modificações que ocorreram ainda não se tornaram uma nova resolução devido ao não comparecimento do Paraguai a esta reunião. Após a resposta positiva do Paraguai é que estas normas poderão se tornar uma resolução a ser incorporada pelos países membros."
Aos 4 de Junho de 2000, o Dr. Pedro Chequer, ex-Coordenador do Programa Nacional de Aids do Ministério da Saúde, agora na Argentina, respondia-me informando que "já discutimos por 2 vezes em Buenos Aires o tema com o Vice Ministro da área onde o tema esta inserido. Nossas argumentações foram bem aceitas inclusive pela Sociedade de Hemoterapia da Argentina. Semana passada solicitei informações sobre o andamento".
Última estação desta via-sacra: aos 22 de agosto de 2000 o Ministério convoca entidades ligadas ao sangue para discutir a nova portaria.


2. Denúncias de discriminação e constrangimento por parte de homossexuais desejos ou necessitados de doar sangue

Nos últimos quinze anos, centenas ou milhares de gays foram impedidos de doar sangue, sob o argumento de que os "homossexuais" fazem parte do grupo de risco de transmissão do HIV, "impedimento definitivo".
Eis o texto reproduzido em muitos folhetos distribuídos nos bancos de sangue, contendo "orientações para doações de sangue", cujo conteúdo repete mutatis mutandis, a mesma exclusão:

"Tudo o que você precisa saber para ajudar quem precisa de você:
- Todo indivíduo saudável com idade entre 18 e 60 anos pode doar sangue
- Não deve estar em jejum
- Deve ter dormido pelos menos 6 horas nas últimas 24 horas
- Deve estar com valores normais de pressão arterial
- As gestantes ficam aptas 3 meses após o parto, se não estiveram amamentando
Não poderão doar sangue
- Quem está em tratamento médico ou usou antibióticos na última semana
- Quem apresentou febre ou sintomas de gripe ou resfriado na última semana
- Quem doou sangue há menos de 60 dias (homens) ou 90 dias (mulheres)
- Quem recebeu sangue ou teve contato sexual com pessoa que recebeu sangue há menos de 10 anos
- Pessoas que têm ou já tiveram: hepatite após os 10 anos de idade, doença de Chagas, sífilis, malária, AIDS e diabetes
- As pessoas com comportamento de risco para AIDS:
- Homossexuais, bissexuais, usuários de drogas e parceiros
- Indivíduos que tenham múltiplos parceiros (as) sexuais ou hábitos promíscuos e seus (suas) parceiros (as) sexuais. "


Eis alguns casos concretos de como a aplicação desta portaria constrangeu e discriminou doadores gays sadios:

"S.Paulo, 3 de Novembro de 1999
Saudações caros amigos do Grupo Gay da Bahia!
Meu nome é Eric, tenho 18 anos e preciso muito da ajuda de vocês. No dia 25/10/99 em uma terça-feira fui fazer a minha primeira doação de sangue no Hospital das Clínicas de SP. Fiz todos os exames e testes, aparentemente estava tudo certo, até o momento em que me encaminharam a uma sala reservada onde uma senhorita sentada em frente a um computador que fazia-me perguntas, questionou-me: "Você possui comportamento HOMOSSEXUAL?" Obviamente respondi que sim. Foi aí então que surgiu uma grande polêmica: ela disse que eu não poderia doar sangue alegando que "a Legislação não permite que homossexuais doem sangue".
Saí do Hospital péssimo, com a sensação de que sou uma criatura abominável, um transmissor de doenças, o que não sou. Ao meu ver, o que aconteceu é um enorme absurdo, por diversos motivos: atualmente o maior índice de contaminações pelo HIV é entre os heterossexuais; o simples fato de considerarem os homossexuais um grupo de risco é um preconceito; discriminação e preconceito são crime e a Constituição assegura a qualquer indivíduo o direito a CIDADANIA, LIBERDADE e IGUALDADE, vedando qualquer forma de discriminação. Se realmente a Legislação proíbe os homossexuais de doarem sangue, então nós não temos os mesmos direitos que as outras pessoas possuem, ou não temos direito algum?
Por esse fato, peço o apoio de vocês e outras instituições ou organizações que lutem pela causa homossexual. Lutarei sem mensurar esforços por justiça. A união faz a força! Grato pela atenção e compreensão. Eric Maekawa SP."

Outro caso de discriminação documentado no início deste ano:

"Fortaleza, 25 Janeiro de 2000
Estimado companheiro Mott
Hoje fui ao HEMOCE de Fortaleza para doação de sangue, pois um amigo meu deve fazer uma cirurgia e precisava de dois doadores. Foi constrangedor o encaminhamento dessa instituição: fiz a ficha, o teste do dedo e ao conversar com a assistente social, fui informado que não podia ser doador pelo fato de ter informado-a de ser homossexual. Solicitei que me confirmasse se realmente seria este o problema: confirmado! Na Ouvidoria da instituição fui informado da portaria do Ministério da Saúde e a Ouvidora, argumentou que não se tratava de uma discriminação, mas sim, um impedimento. Daí conversamos uns 40 minutos sobre o assunto, tentei buscar mais informações dela, se saberia das atuais estatísticas de contaminação do vírus, e ainda, a razão de considerarem os homossexuais como um grupo de risco. Tentei enfatizar o tratamento dado à vida, por eles (ou pela instituição) e a conivência com uma resolução ultrapassada e preconceituosa em relação aos homossexuais. Tudo inútil, voltei para casa na mesma situação. Entrei em contato com o Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB) e pediram que buscasse melhores informações com o GGB. Deste modo, solicito de v.sa. maiores informações no que diz respeito ao andamento desta questão e o que podemos fazer de prático em defesa de nossos direitos. Fico muito grato pela atenção. Um grande abraço! Luís Palhano Loiola."

Mais uma discriminação, ocorrida esta no extremo norte do país:

"Prezado Presidente do Grupo Gay da Bahia:
Sou carioca e moro em Porto Velho Rondônia, há 2 anos; tenho uma micro empresa aqui. Para ir direto ao assunto, aconteceu um fato recentemente aqui que deu destaque nos meios de comunicação local.
Um artista plástico foi ao órgão responsável por doação de sangue (Fundação Hemeron), onde o mesmo foi impedido de doar seu sangue porque assumiu sua homossexualidade. O Diretor do órgão disse que estava fazendo cumprir uma portaria do MS na qual considera que os homossexuais e pessoas que trabalham com sexo são grupo de risco. Bom! Aí a TV Rondônia, que é emissora da rede Globo, deu destaque a esta matéria e fui convidado para este debate que está dando a maior repercussão. Por causa dessa discriminação, estou querendo fundar um grupo gay em Rondônia. Peço que me envie as orientações como nós iremos desenvolver este processo aqui, bem como cópia do Estatuto e etc... Fico grato pela atenção e em meu nome e de todos os gays do Estado de Rondônia. Cordialmente Abraços, Gabriel Laffond. (4-5-2000)"

3. Campanha Nacional de Doação de Sangue Homossexual
Por ocasião do Dia Nacional de Doação de Sangue, 22 de Novembro de 1999, o Grupo Gay da Bahia, em conformidade com deliberação prévia da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT), iniciou campanha nacional visando pressionar de forma mais direta a revogação da portaria 1376/93. Para tanto, enviamos pela internet o seguinte release a todos os jornais do país:


22 DE NOVEMBRO: DIA NACIONAL DE DOAÇÃO DE SANGUE HOMOSSEXUAL
Gays invadem Hemocentros de todo país exigindo revogação de portaria que proíbe doação de sangue de homossexuais

Cansados de receber denúncias de gays que tiveram seu sangue recusado nos bancos de sangue das principais capitais do país, os homossexuais resolveram partir para o confronto: a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) realiza uma campanha nacional estimulando a todos os homossexuais para que no próximo dia 22 de novembro se dirijam ao Hemocentro de sua cidade, declarando-se homossexual e exigindo que seja aceita sua doação de sangue. O objetivo desta campanha é exigir a reformulação da Portaria 1376/93 do Ministério da Saúde, que considera os homossexuais como pertencentes a grupos de risco para Aids.
Segundo Luiz Mott, Presidente do Grupo Gay da Bahia e coordenador desta campanha, "a exclusão de doadores homossexuais é absolutamente anacrônica e discriminatória, pois está comprovado cientificamente que já não existem grupos de risco, mas sim situações ou comportamentos de risco, tanto que a Aids aumenta cada vez mais entre os heterossexuais, mulheres e esposas fiéis cujos maridos tinham múltiplas parceiras. A exclusão dos homossexuais reforça o preconceito homofóbico e a falsa ilusão da Aids como peste-gay. "
A CAMPANHA NACIONAL DE DOAÇÃO DE SANGUE HOMOSSEXUAL ocorrerá no próximo dia 22 de novembro, 2a feira: durante todo o dia, os 70 grupos de homossexuais afiliados à Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) convocam aos homossexuais de todas cidades do Brasil para que se dirijam aos Centros de Coleta de Sangue de seus respectivos estados, identificando-se como homossexual e exigindo o recebimento da coleta de seu sangue. A ABGLT está orientando que só doem sangue gays e lésbicas que se enquadrem no padrão exigido pelo Ministério da Saúde (idade entre 18-60 anos, boa saúde, sem antecedentes de doenças sexualmente transmissíveis, sem múltiplos parceiros em relações sexuais desprotegidas).
O Coordenador de Saúde da ABGLT, Marcelo Cerqueira, adverte aos homossexuais que no caso de terem seu sangue recusado, devem exigir documento atestando o motivo da recusa e enviar este documento diretamente para o Ministro da Saúde, José Serra, denunciando a discriminação e exigindo que entre imediatamente em vigor a Resolução n.130 do MercoSul, onde os homossexuais deixam de constar como grupo de risco. "
Esta campanha foi encampada por diversos grupos homossexuais e ONGs/Aids de norte a sul do país, registrando-se manifestações e/ou repercussão em Aracaju, Cuiabá, Rio de Janeiro, Brasília, Paraná, Bahia, Rio Grande do Norte, Belo Horizonte, etc. Em todas as cidades os homossexuais foram impedidos de doar sangue, sendo que em Salvador, "funcionários do Hemoba chegaram a cadastrar os manifestantes como doadores, mas o sangue não foi recolhido porque a portaria 1376/93 do Ministério da Saúde considera os gays integrantes do grupo de risco para contração da Aids. Após uma rápida negociação com a administração do Hemoba, os militantes ocuparam o hall do prédio e fizeram uma explanação ao público e aos funcionários sobre os motivos da manifestação. "Essa legislação está velha e caduca", disse o presidente do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott. Ele, Marcelo Cerqueira e outros três manifestantes se cadastraram, mas nenhum deles teve o sangue colhido. Adenilton Gomes dos Santos, gerente do Grupo Gay da Bahia foi descartado quando declarou ser homossexual. A gerente do Hemoba, Daisy Gomes, se defendeu dizendo que o órgão não pode passar por cima da legislação em vigor. "É algo que tem que ser resolvido com o Ministério da Saúde", completou a gerente. Os manifestantes reivindicaram então uma declaração por escrito com o motivo da recusa. "Isso não é possível, pois há uma determinação legal de que o doador que não se encaixa nos critérios receba um atestado de inaptidão, sem explicar os motivos", disse a subgerente de coleta do Hemoba, Iraildes Santana, ao evocar o princípio do sigilo médico. Os gays pretendem entrar na Justiça para receber a declaração por escrito e, a partir daí, iniciarem uma batalha judicial pela revogação da portaria. "
Em alguns estados, contudo, médicos e responsáveis pelos bancos de sangue manifestaram opinião mais corajosa e atinada com os últimos conhecimentos científicos: "A preferência sexual não é comportamento de risco para Aids. Comportamento de risco é a promiscuidade", afirmou o infectologista Dr. José Luiz de Andrade Neto, Membro do Comitê Assessor do Ministério da Saúde para tratamento de Aids em Adultos e Adolescentes do Paraná. E acrescentou: "Homossexuais por sua opção não podem ser considerados inaptos, desde que se protejam e não tenham comportamento de risco." Em Curitiba, o Hemopar utiliza doze meses como "janela imunológica", enquanto o Hemobanco utiliza três meses como intervalo entre as doações.
Por ocasião desta polêmica, a imprensa paranaense divulgou opinião da Dra. Sylvia Olyntho, da Gerência Geral de Sangue e Hemoderivados do MS, segundo a qual, "a propagação da Aids, ao longo dos anos mostrou que não é a opção sexual de uma pessoa que a torna de risco para o HIV, mas sim seus hábitos de vida. Bem mais preocupante aos avaliadores são pessoas casadas que se apresentam como voluntárias e mentem sobre relações sexuais mantidas fora do casamento. Somos advogados de dois lados: precisamos de um lado preservar a qualidade do sangue coletado, e do outro, falar sobre o pior dos tabus com o voluntariado, que é o sexo. Um voluntário potencial pode, por exemplo, ter mantido relações sexuais com uma prostituta no ultimo ano e ser doador, desde que seja honesto sobre os cuidados que tomou."
Em interessante artigo "Sangue ainda indica grupo de risco", de Liandro Lidner, jornalista e voluntário do GAPA/RS, a Diretora do Hemocentro do Porto Alegre Dra. Jane Leonardo também considera a legislação ultrapassada, enfatizando a necessidade de agilizar a aprovação da portaria do MercoSul. A mesma opinião revela o Presidente do Gapa/MG, o psicólogo Roberto Chateaubriand: "A portaria 1376/93 é absurda . É preciso trabalhar com a lógica do comportamento e não do grupo de risco. Só assim há uma filtragem maior. " A própria advogada da Rede de Direitos Humanos da Coordenação Nacional de Aids do MS, Dra. Cláudia de Paula, declarou: "O movimento para modificar tal conceito (grupo de risco) , o qual está em completa descontexztualização sociológica, vem ocorrendo desde o ano passado, quando houve a edição da Portaria de Consulta, visto que a nova legislação sobre sangue e hemoderivados está sendo discutida e será implementada no âmbito do MercoSul."
Com vistas a sanar os danos morais causados pela aplicação desta , seja por iniciativa de particulares, seja por entidades de direitos humanos. Em consulta feita por um doador-recusado de São Paulo, o advogado Flávio Luiz Branco Barata, na Seção de Justiça do jornal Agora São Paulo, aconselhava ao agravado que ingressasse com uma ação judicial contra o banco de sangue. Por sua vez, o Grupo Dignidade do Paraná, já em 1998, registrava denúncia junto à Promotoria de Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais contra tal discriminação. Aos 25-10-1999, a Liga Norteriograndense de Apoio e Combate à Aids encaminhou representação ao Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Norte denunciando a discriminação anti-homossexual praticada pelo Hemonorte de Natal: em ofício n.175/99, o Procurador Wagner Gonçalves solicitou à Procuradoria Geral dos Direitos Humanos, na Capital Federal, que envidasse gestões junto ao Ministério da Saúde para a modificação da dita portaria.




4. Situação do Sangue Gay no Exterior
Também no exterior temos notícia de ações discriminatórias na doação de sangue por parte de gays, assim como a reação de grupos homossexuais e de direitos humanos contra tais violações.

"Jornalista Sul-africano entra na Justiça contra Banco de Sangue:
O editor de noticias da Radio KFM da cidade do Cabo, na África do Sul, Andrew Barnes, prometeu demandar junto à Corte Internacional de Justiça de Haia contra o Serviço de Transfusão de Sangue da Província Ocidental da África do Sul após ter sido recusada sua doação de sangue por ser gay. Declarou: "Todos somos exortados a doar sangue e por isso fui ao Hemocentro de Pichel Arcade, en Strand Street, só que ao declarar que era gay, recusaram. Retruquei que vivia uma relação estável com meu companheiro, sem resultado. "Me senti chocado ao ser informado que pertencia a um grupo de risco para transmissão da Aids.""
Em correspondência recebida de Buenos Aires, o Grupo SIGLA (Sociedad de Integración Gay e Lesbiana de Argentina) informa que também, ele entrou com petição junto ao Ministério da Saúde local solicitando a revogação da portaria 702/93, onde constava que "pertencem a grupos de alto risco para AIDS os homens que sejam homossexuais ou bissexuais". Tal portaria foi alterada por uma resolução ministerial posterior estabelecendo que ficavam excluídos de doação de sangue as pessoas que tivessem "antecedentes de promiscuidade sexual". O referido Grupo Sigla sugeriu que em vez de "promiscuidade sexual", conceito moralista e de difícil definição, se excluíssem pessoas que revelassem "encontros sexuais ocasionais, anônimos, múltiplos e inseguros."
Aos 27 de maio de 1999, o Ministério da Saúde da Argentina aprovou nova resolução, de n.365/99 excluindo como doadores de sangue "pessoas que tenham mantido relação sexual com soropositivos ou tenham antecedentes de promiscuidade" . Por considerar discriminatória e abusiva tais exclusões, aos 18-5-2000, a Liga de Defesa das Minorias Sexuais, a Defensoria do Povo de Buenos Aires e a Fundação do Poder Cidadão registraram ação de pública solicitando à Justiça que declare a inconstitucionalidade desta resolução, considerando que substituiu-se uma discriminação por outra: "perguntar se o doador teve relações sexuais com alguém vivendo com HIV aumenta o estigma contra os soropositivos e afeta o direito destas pessoas a uma sexualidade sadia.

À Guisa de Conclusão

Levando-se em conta:
1. a evolução do perfil epidemiológico da Aids no Brasil, onde a cada ano cresce o número de heterossexuais e mulheres infectadas pelo HIV;
2. considerando que o conceito de "grupos de risco" há muito foi descartado pelos cientistas e órgãos governamentais e organizações não-governamentais devido à sua imprecisão classificatória e más conseqüências em termos de prevenção do HIV/Aids;
3. avaliando-se que a exclusão dos homossexuais e bissexuais como doadores de sangue portadores de "impedimento definitivo" representa um equívoco discriminatório sem respaldo científico e que atenta contra a Constituição Federal e as Leis Orgânicas de 76 municípios, e as Constituições Estaduais de Mato Grosso, Sergipe e do Distrito Federal, que proíbem a discriminação com base na "orientação sexual";
4. urge que o Ministério da Saúde do Brasil exclua imediatamente da nova Portaria relativa à doação de sangue qualquer referência aos homossexuais e bissexuais como grupos de risco, adotando como critério de exclusão os doadores que tenham histórico "encontros sexuais ocasionais, anônimos, múltiplos ou inseguros."

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Homossexuais são grupos de risco?

Disponível em:

http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&xmoe=84&moe=84&id=8144

Desde que a Aids chegou, nos anos 80, foram mais de 200 mil mortos somente no Brasil. Isso em dados oficiais. Ninguém morre de aids, e sim de doenças oportunistas, e quem tem o HIV também evita falar sobre o assunto, provavelmente foram muito mais vítimas nesta guerra. A Aids ainda é uma doença que assusta. Assusta quem não tem, pois quem tem o HIV aprende a viver com ele, é forçado a isto. Mas fica a pergunta: você está sabendo se prevenir?


Em Curitiba são 600 novos casos por ano. Aproximadamente 30% deles entre homens. São mais de 200 homossexuais ou bissexuais que se infectam com o vírus HIV na cidade. Quase um a cada 48h. Estamos falando em dados oficiais. Estima-se que haja três novos casos para cada caso notificado, ou seja, uma infecção a cada 18h. Coloque alguns anos e este número se multiplica mais ainda. A Aids não tem face, não tem tamanho.


É possível que quem já fez sexo com mais de 30 pessoas ao longo da vida já tenha se deparado com alguém soropositivo. Se você usou preservativo nestas relações, suas chances de pegar o HIV são nulas. Se a camisinha estourou ou não usou o preservativo alguma das vezes, seja bem-vindo à loteria da Aids. É sabido que o vírus não é tão competente na hora da infecção, menos de 1% de chance de conseguir a infecção aleatoriamente. Porém, no sexo homossexual, esta porcentagem aumenta em pelo menos 11 vezes. São os riscos de fissuras anais, a multiplicidade de parceiros, a incidência do vírus na população pequena. Aumenta e muito, para quem não usa camisinha.


Recentemente um artigo americano questionou que deveríamos voltar a falar em “grupos de risco”, termo da década de 80 que colocou os homossexuais como vilões da Aids junto com outras populações marginalizadas como profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Fica claro que o risco existe para todos os seres que fazem sexo, pois a epidemia se verticalizou, ou os estudiosos perceberam que não era uma doença gay e sim de quem faz sexo. É preciso ver que a fragilidade de populações como homossexuais, profissionais do sexo, entre outros, não está no risco acrescido e sim na própria marginalização social, no descuido causado pela falta de auto-estima.


Acrescento aqui também o fato de muitos soropositivos causarem a infecção de outras pessoas de propósito. Isso ocorre em todos os meios sexuais. Há pessoas boas e ruins em todos os lugares mas ninguém nunca fala daquelas que cometem o crime de disseminar o vírus, por acreditar que ela foi vítima de outra pessoa. Quem tem não conta, ainda mais se for uma noite de sexo fugaz. Cuidado com isso.


A Aids, mais do que uma doença sexualmente transmissível, é uma doença de comportamento. Mas nada tem a ver com as condenações morais e religiosas, que dizem que ter um único parceiro é a solução. Se fosse assim, não teríamos tantos infectados em todos os cantos do planeta. Só o preservativo salva. Falar em grupos de risco é puro preconceito e parceiro único, para toda a vida, é história para boi dormir para a maioria das pessoas.

Comece fazendo seu teste de HIV e transando com preservativo em todas as suas relações. Só assim você deixa de correr riscos e impede que os números aumentem.

Separados pelo Sangue


Disponível em:

http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?id=9033&cod=1592&idi=1&xmoe=84&moe=84


Por Allan Johan

Até tu Brutus. O Ministério da Saúde - único parceiro permanente das ONGs de GLBTs (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) no Brasil - acaba de reafirmar a restrição da doação de sangue por parte dos homossexuais que fizeram sexo nos últimos 12 meses. Em nota técnica, tenta-se explicar que aceitar a doação de sangue por parte dos indivíduos homossexuais é um risco para o Sistema Único de Saúde, em clara discriminação aos gays, mesmo pensando-se em todos os argumentos apresentados. Retiradas todas as situações de risco como “ter feito sexo por dinheiro”, “ter transado com desconhecido sem preservativo” , “pessoas vítimas de estupro”, “pessoa que permaneceu por mais de 24h em instituição carcerária”, entre outros, mesmo se a pessoa afirmar que usou preservativo sempre ou tem parceiro fixo, ela é considerada pessoa com “comportamento de risco acrescido”, novo nome para população de risco, fantasma que assombrou a comunidade gay nas décadas de 80 e 90.


A medida de excluir o sangue homossexual das doações começou no ano de 1983, por estudos realizados nos EUA e a implantação desta medida de “segurança” por parte deste país. No Brasil, a lei veio ainda na década de 80, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, por meio da Portaria 1376/93, regulamentou a exclusão do sangue gay, vigente até hoje. As infecções recentes não detectáveis em exames (janela imunológica) e o risco de infecção de 11 vezes maior por homens homossexuais, são as principais razões para se discriminar o sangue gay. O risco de passar um sangue contaminado pelos testes de triagem seria cinco vezes maior se gays doassem sangue (que na prática não acontece, pois eles doam). A argumentação é forte mas entende-se que não há homossexual hábil a doar sangue, se ele tiver feito sexo nos últimos 12 meses.

“No entendimento do Ministério da Saúde, as restrições a doação de sangue presentes na legislação sanitária, não têm por objetivo a exclusão do grupo de gays e HSH desta generosa prática; nem tampouco apoiar atitudes de constrangimentos e de discriminação desta natureza nos serviços de hemoterapia”, conclui o documento de 7 páginas assinado pelos coordenadores de hiv/aids e hemoderivados do Ministério da Saúde. O documento é uma resposta a crescente demanda da comunidade pela igualdade de direitos, a começar pelo direito de doar sangue, defendido na I Conferência GLBT do Brasil, realizada em maio, convocada pelo Governo Federal.


Entre as medidas a serem tomadas para melhor atender homossexuais nos “hemocentros” estariam o desenvolvimento de pesquisas para aprimorar a detecção, treinamento dos funcionários a fim de evitar o constrangimento, entre outros. Em 2006, uma liminar dada no Piauí proibiu por alguns dias a prática de perguntar sobre a orientação sexual do candidato a doador. O MS derrubou a liminar e tudo voltou a ser como era, inclusive em promessas, que foram as mesmas dadas nesta nova resposta. A verdade é que o MS não confia nos exames que aplica ao sangue doado, por motivos de custos, os testes não são os mais modernos, pois sabe-se que o PCR, exame que busca o DNA do HIV, pode detectar o vírus após poucas horas da infecção.


Fora a questão da confiabilidade dos testes feitos, temos ainda a questão dos bancos de sangue serem, em sua maioria, privados. Estas empresas vendem hemoderivados ao Ministério da Saúde, e, obviamente, pressionam para que a legislação não seja alterada. O MS não cobra a qualidade do material comprado, ou seja, a aplicação do melhor exame de sangue disponível no mercado para controle de qualidade, uma obrigação do fornecedor. Ao invés disso, prefere assumir a mea culpa e excluir os homossexuais do banco de doadores, como método eficiente de garantir a qualidade do produto que compra e fornece. Antes de ser uma briga de Direitos Humanos ou científica, é uma briga política. Até os anos 80, doar sangue no Brasil era remunerado em muitos lugares, agora, passou a ser uma obrigação de civismo, além de obrigação para os recrutas do Exército. Mas uma bolsa de produtos oriundos do sangue doado vale até U$40 e o Brasil ainda importa alguns hemoderivados e insiste em rejeitar a doação de homossexuais no país.


Por isso, quando recebo um pedido desesperado para doação de sangue, retribuo dizendo que, infelizmente, não posso ajudar, já que em nosso país homossexuais não podem doar sangue. Ainda tranqüilizo a pessoa dizendo que não há necessidade de procurar por doadores pois o sangue recebido foi pago com nossos impostos, para o tal local onde mandam recolher mais sangue, que não passa, muitas vezes, de uma empresa vampira ou sanguessuga. Esta é a minha parte cívica, pelo menos a que me permitem exercer, ainda.

A solução parece ser clara, mas traria custos altos: exigir um teste mais confiável no lugar de discriminar uma população ou pessoas de bem que buscam realizar o ato altruísta de doar seu próprio sangue. Infelizmente, as campanhas de uso do preservativo perdem sentido, já que o velho preconceito faz com que gays se sintam promíscuos ou “meio cidadãos”, atacando diretamente a auto-estima desta população, que ouve do próprio Ministério este conto para boi dormir, de que não ter comportamento de risco é o que interessa, a camisinha salva, entre outros. No fim, gay é tudo igual. Fica valendo a tal hipocrisia que o Presidente Lula vem falando nos últimos meses. Gay doa sangue sem dizer que é gay, o Ministério paga fortunas por sangue doado e não exige uma triagem confiável e a Constituição permanece no seu pedestal com o seu maravilhoso e hermético Quinto Artigo: “Todos são iguais perante a lei”.