quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Separados pelo Sangue


Disponível em:

http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?id=9033&cod=1592&idi=1&xmoe=84&moe=84


Por Allan Johan

Até tu Brutus. O Ministério da Saúde - único parceiro permanente das ONGs de GLBTs (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros) no Brasil - acaba de reafirmar a restrição da doação de sangue por parte dos homossexuais que fizeram sexo nos últimos 12 meses. Em nota técnica, tenta-se explicar que aceitar a doação de sangue por parte dos indivíduos homossexuais é um risco para o Sistema Único de Saúde, em clara discriminação aos gays, mesmo pensando-se em todos os argumentos apresentados. Retiradas todas as situações de risco como “ter feito sexo por dinheiro”, “ter transado com desconhecido sem preservativo” , “pessoas vítimas de estupro”, “pessoa que permaneceu por mais de 24h em instituição carcerária”, entre outros, mesmo se a pessoa afirmar que usou preservativo sempre ou tem parceiro fixo, ela é considerada pessoa com “comportamento de risco acrescido”, novo nome para população de risco, fantasma que assombrou a comunidade gay nas décadas de 80 e 90.


A medida de excluir o sangue homossexual das doações começou no ano de 1983, por estudos realizados nos EUA e a implantação desta medida de “segurança” por parte deste país. No Brasil, a lei veio ainda na década de 80, e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa, por meio da Portaria 1376/93, regulamentou a exclusão do sangue gay, vigente até hoje. As infecções recentes não detectáveis em exames (janela imunológica) e o risco de infecção de 11 vezes maior por homens homossexuais, são as principais razões para se discriminar o sangue gay. O risco de passar um sangue contaminado pelos testes de triagem seria cinco vezes maior se gays doassem sangue (que na prática não acontece, pois eles doam). A argumentação é forte mas entende-se que não há homossexual hábil a doar sangue, se ele tiver feito sexo nos últimos 12 meses.

“No entendimento do Ministério da Saúde, as restrições a doação de sangue presentes na legislação sanitária, não têm por objetivo a exclusão do grupo de gays e HSH desta generosa prática; nem tampouco apoiar atitudes de constrangimentos e de discriminação desta natureza nos serviços de hemoterapia”, conclui o documento de 7 páginas assinado pelos coordenadores de hiv/aids e hemoderivados do Ministério da Saúde. O documento é uma resposta a crescente demanda da comunidade pela igualdade de direitos, a começar pelo direito de doar sangue, defendido na I Conferência GLBT do Brasil, realizada em maio, convocada pelo Governo Federal.


Entre as medidas a serem tomadas para melhor atender homossexuais nos “hemocentros” estariam o desenvolvimento de pesquisas para aprimorar a detecção, treinamento dos funcionários a fim de evitar o constrangimento, entre outros. Em 2006, uma liminar dada no Piauí proibiu por alguns dias a prática de perguntar sobre a orientação sexual do candidato a doador. O MS derrubou a liminar e tudo voltou a ser como era, inclusive em promessas, que foram as mesmas dadas nesta nova resposta. A verdade é que o MS não confia nos exames que aplica ao sangue doado, por motivos de custos, os testes não são os mais modernos, pois sabe-se que o PCR, exame que busca o DNA do HIV, pode detectar o vírus após poucas horas da infecção.


Fora a questão da confiabilidade dos testes feitos, temos ainda a questão dos bancos de sangue serem, em sua maioria, privados. Estas empresas vendem hemoderivados ao Ministério da Saúde, e, obviamente, pressionam para que a legislação não seja alterada. O MS não cobra a qualidade do material comprado, ou seja, a aplicação do melhor exame de sangue disponível no mercado para controle de qualidade, uma obrigação do fornecedor. Ao invés disso, prefere assumir a mea culpa e excluir os homossexuais do banco de doadores, como método eficiente de garantir a qualidade do produto que compra e fornece. Antes de ser uma briga de Direitos Humanos ou científica, é uma briga política. Até os anos 80, doar sangue no Brasil era remunerado em muitos lugares, agora, passou a ser uma obrigação de civismo, além de obrigação para os recrutas do Exército. Mas uma bolsa de produtos oriundos do sangue doado vale até U$40 e o Brasil ainda importa alguns hemoderivados e insiste em rejeitar a doação de homossexuais no país.


Por isso, quando recebo um pedido desesperado para doação de sangue, retribuo dizendo que, infelizmente, não posso ajudar, já que em nosso país homossexuais não podem doar sangue. Ainda tranqüilizo a pessoa dizendo que não há necessidade de procurar por doadores pois o sangue recebido foi pago com nossos impostos, para o tal local onde mandam recolher mais sangue, que não passa, muitas vezes, de uma empresa vampira ou sanguessuga. Esta é a minha parte cívica, pelo menos a que me permitem exercer, ainda.

A solução parece ser clara, mas traria custos altos: exigir um teste mais confiável no lugar de discriminar uma população ou pessoas de bem que buscam realizar o ato altruísta de doar seu próprio sangue. Infelizmente, as campanhas de uso do preservativo perdem sentido, já que o velho preconceito faz com que gays se sintam promíscuos ou “meio cidadãos”, atacando diretamente a auto-estima desta população, que ouve do próprio Ministério este conto para boi dormir, de que não ter comportamento de risco é o que interessa, a camisinha salva, entre outros. No fim, gay é tudo igual. Fica valendo a tal hipocrisia que o Presidente Lula vem falando nos últimos meses. Gay doa sangue sem dizer que é gay, o Ministério paga fortunas por sangue doado e não exige uma triagem confiável e a Constituição permanece no seu pedestal com o seu maravilhoso e hermético Quinto Artigo: “Todos são iguais perante a lei”.

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