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13.11.2006
Valéria Melki Busin[*], com a colaboração de Bruna Pimentel Cilento[**]
Estamos entrando no período da Campanha 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres, que é realizada em 130 países, de 25 de novembro a 10 de dezembro, e está completando 16 anos de existência.
No Brasil a Campanha é promovida e articulada, nacionalmente, pela AGENDE em parceria com redes e articulações de mulheres, feministas e de direitos humanos, órgãos governamentais, representações de Agências da ONU no Brasil, empresas públicas e privadas. O slogan é Uma vida sem violência é um direito das mulheres! (Veja maiores detalhes no site da AGENDE http://www.agende.org.br/16dias)
Apesar de árido, o tema deve ser tratado com realismo e coragem por toda a sociedade, inclusive por nós, lésbicas. Muitas vezes, por sermos contrárias ao vitimismo – ou seja, sermos colocadas no papel de vítimas indefesas - que impede que nos vejamos como agentes da nossa história e, portanto, com potencial transformador da realidade, acabamos negligenciando o tema e fazemos de conta de que não existe violência contra as lésbicas. E entre as lésbicas.
Para começar, por serem mulheres, as lésbicas já sofrem todos os tipos de violência de gênero que as mulheres brasileiras sofrem. Porém, por sua orientação sexual, acabam sofrendo outros tipos de violência, nem sempre comuns à maioria das mulheres heterossexuais. Relacionamos, a seguir, as violências específicas sofridas por lésbicas em seu cotidiano, considerando-se aí violência física, sexual, psicológica e simbólica.
É bastante comum que jovens lésbicas sofram, em sua própria casa, espancamentos e outras agressões físicas, além de ofensas e desprezo, quando seus familiares descobrem sua orientação sexual. Por dependerem economicamente de seus responsáveis, as jovens são mais vulneráveis, tendo de, com freqüência, abdicar de relacionamentos afetivo-amorosos, além de deixar de conviver com amigas e amigos, ou freqüentar determinados lugares, tendo, portanto, sua liberdade cerceada de forma ostensiva.
Ocorre também com lésbicas o “estupro corretivo”, quando homens (conhecidos ou não) forçam lésbicas a manter relação sexual, geralmente com muita violência, para “ensiná-las” o que é “correto” em termos de sexualidade.
Ainda na linha da violência sexual, lésbicas que demonstram seu afeto em público sofrem assédio masculino constante. No imaginário masculino, duas mulheres lésbicas juntas estão se oferecendo para sexo com homens. Assim, um fato banal, como passear de mãos dadas com a namorada na rua, pode gerar abordagens sexuais grosseiras com muito maior intensidade e freqüência do que ocorre com as demais mulheres. Quando os “assediadores” percebem que não obterão sucesso, passam para ofensas e grosserias, muitas vezes aos gritos, para humilhá-las publicamente.
Talvez uma das formas mais comuns de violação de direitos que as lésbicas sofrem seja a censura a demonstrações explícitas de afeto, quando estão em algum estabelecimento comercial. Nesse caso, são freqüentemente abordadas para que parem de se beijar ou abraçar na frente dos outros clientes (que fazem o mesmo, mas não são importunados) e, quando resistem a isso, são expulsas do local, muitas vezes de forma violenta. Isso ocorre principalmente porque os agressores contam com o silêncio e o constrangimento das lésbicas, que precisam de uma boa dose de coragem e esforço para denunciar o tratamento injusto sofrido.
Os crimes de morte também são cometidos contra lésbicas somente por sua orientação sexual. Muitas vezes, são assassinadas namoradas ou companheiras de lésbicas a mando de parentes, como forma de “limpar a honra” da família.
Todas as formas de violência acima descritas não são incomuns, mas muito mais freqüentemente ocorrem violências cotidianas na vida das lésbicas, como humilhação, ofensas, desprezo, rejeição, abandono, exclusão, expulsão de casa ou de locais que freqüenta, como escola, igreja, emprego. Por exemplo, é comum garotas lésbicas serem hostilizadas em suas escolas ou faculdades, por colegas, professores/as, funcionários/as dos locais em que estudam.
Doença, imoralidade, pecado, abominação: estes são apenas alguns termos empregados para se referir à orientação sexual de lésbicas. Essas forma de “entender” a homossexualidade está impregnada de preconceitos oriundos do ideário cristão. Assim, outra violência comum cometida contra lésbicas são tentativas de “cura” por meio de “terapias de reversão”, prática proibida pelo Conselho Federal de Psicologia, mas ainda bastante freqüente entre as quatro paredes de consultórios psicológicos. Ainda são realizadas tentativas de “cura” por vias religiosas, como uma espécie de exorcismo.
Por fim, é importante comentar que as lésbicas também estão sujeitas à violência doméstica cometida por suas próprias parceiras. A agravante, aqui, é que as agressoras, além de assumirem valores patriarcais e reproduzirem em suas relações a violência de gênero, contam com a maior vulnerabilidade de suas vítimas, que não denunciam a agressão por medo de sofrerem mais violência por parte das autoridades, além de sentirem vergonha pela agressão sofrida, por causa do forte preconceito quanto a sua orientação sexual.
Com todo esse panorama, é fácil entender porque as lésbicas são ainda praticamente invisíveis na sociedade, pois assumir sua condição significa expor-se a violências diversas. Entretanto, cada vez mais e mais mulheres têm conseguido romper a barreira do silêncio, da solidão e do preconceito e têm podido viver seu legítimo amor.
Por isso, queremos registrar nossa admiração e agradecimento a todas as lésbicas que têm coragem de viver e demonstrar seu amor publicamente. Não sucumbir é o primeiro passo. Não é fácil, mas mais difícil ainda é mentir para si mesma e negar-se diante da vida. E se o amor e a liberdade não valem essa batalha, o que mais valerá??
[*]Valéria Melki Busin é psicóloga formada pela Universidade de São Paulo e mestranda em Ciências da Religião na PUC/SP. É integrante da ONG feminista Católicas pelo Direito de Decidir, escritora e militante pelos direitos das lésbicas.
[**]Bruna Pimentel Cilento é advogada, mestranda em Direito, ativista pelos direitos das lésbicas e uma das coordenadoras do MoLeCa, Movimento Lésbico de Campinas.
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