quinta-feira, 24 de julho de 2008

Estudos Descobrem Pistas Sobre a Origem da Homofobia

Por Daniel Goleman para o New York Times, 10 de Julho de 1990

Pesquisadores estão a descobrir que o aumento das acções hostis contra os homossexuais deve-se mais ao ódio baseado no medo e no moralismo do que devido à epidemia da SIDA.

Embora as sondagens mostrem que os americanos estão a começar a aceitar os homens e mulheres homossexuais e a apoiar a luta pelos seus direitos, tem-se notado um aumento no preconceito anti-gay desde o início da epidemia. Todavia, investigadores estão a descobrir que a doença, em vez de criar uma nova hostilidade, deu aos preconceituosos uma desculpa para pôr em prática o seu ódio.

Ao estudar a virulência e a tenacidade dos sentimentos anti-gay, psicólogos estão a descobrir pistas para fontes mais profundas da homofobia. As novas descobertas confirmam a teoria que diz que alguns homens utilizam a hostilidade e a violência contra os homossexuais para se sentirem mais seguros com a sua sexualidade. Mas os psicólogos dizem agora que a maior porção da discriminação contra os homossexuais surge de uma combinação composta por medo e moralismo, na qual os homossexuais são tidos como ameaças para o universo moral.

Tais atitudes são apoiadas, dizem os investigadores, pelo facto de, ao contrário de qualquer outra minoria, os homossexuais ainda serem alvo de discriminação institucionalizada. São impedidos de fazer serviço militar e em muitos estados [americanos] há leis contra a sodomia que tornam as suas actividades sexuais ilegais. Até 1980, o "Manual de Diagnóstico Psiquiátrico" oficial listava a homossexualidade como um distúrbio mental.

“É muito duro o facto da nossa existência ser de algum modo uma ameaça” diz Naomi Lichtenstein, uma assistente social no Projecto Anti-Violência Gay e Lésbica de Nova Iorque, que dá apoio e aconselhamento a vítimas de ataques.

Uma das descobertas mais perturbantes por parte daqueles que tentam combater a discriminação anti-gay é os dados que mostram que esta hostilidade é mais aceite por um largo número de americanos do que a discriminação contra outros grupos. Em resposta a vários inquéritos cerca de ¾ dos homossexuais dizem que foram verbalmente abusados e 1 em cada 4 diz que foi fisicamente atacado.

“Violência anti-gay ainda é aceite, porque os líderes [políticos] falam contra a discriminação racial e religiosa, mas ignoram a violência contra os gays e as lésbicas” afirma Matt Foreman, o director executivo do Projecto Anti-Violência Gay e Lésbica de Nova Iorque.

Um estudo de 1988 feito pela Task Force contra a Violência por Discriminação do Governador de Nova Iorque concluiu que de todos os grupos “as hostilidades mais severas são direccionadas contra as lésbicas e os homens homossexuais”.

“Numa das descobertas mais alarmantes” o relatório mostra que enquanto os adolescentes inquiridos advogavam com relutância a favor da discriminação aberta contra grupos raciais e étnicos, eles eram enfáticos na sua não simpatia por homens e mulheres homossexuais.

Eles são vistos “como alvos legítimos que podem ser atacados abertamente" diz o relatório.

Num inquérito a 2823 estudantes do 8º ao 12º ano, ¾ dos rapazes e metade das raparigas disseram que seria mau ter um vizinho homossexual.

Os sentimentos eram tão fortes para um adolescente de 12 anos como para um de 17 anos. Muitos estudantes acrescentaram comentários maliciosos e gratuitos sobre os homossexuais; o mesmo não aconteceu com outros grupos.

Os cientistas que estudam as atitudes em relação aos homossexuais dizem que o maior grupo de pessoas que são contra os homossexuais são aquelas para a qual eles “representam o sinónimo do mal”, disse o Dr. Gregory Herek, um psicólogo na Universidade da Califórnia em Davis.

“Essas pessoas acham que odiar homens homossexuais e lésbicas é o teste último que prova serem uma pessoa moral”, diz Dr. Herek, que fez uma investigação extensa sobre as atitudes em relação aos homossexuais. Frequentemente agem por aderência a uma ortodoxia religiosa de denominações que consideram a homossexualidade um pecado.

Dr. Herek não acha que a SIDA fez aumentar os sentimentos anti-gay, mas sim ofereceu “um gancho conveniente onde eles podem pendurar os seus preconceitos pré-existentes”.

A sua investigação mostra que a afirmação dos valores de um indivíduo através do sentimento anti-gay é o motivo mais comum [para a homofobia]. Por exemplo, num estudo sobre as atitudes em relação aos homossexuais num colégio de 248 estudantes, Dr. Herek descobriu que esta era a fonte da hostilidade para mais de metade daqueles que defendiam a discriminação contra os homossexuais.

Bob Altemeyer, um psicólogo da Universidade de Manitoba que desenvolveu uma escala para medir as atitudes em relação aos homossexuais, descobriu que aqueles que demonstram uma hostilidade mais intensa têm um medo extremo que o mundo seja um lugar inseguro e que a sociedade esteja em perigo, assim como um moralismo que os leva a julgar aqueles que têm valores diferentes como moralmente inferiores.

“Eles veem a homossexualidade como um sinal de que a sociedade está a desintegrar-se e como uma ameaça ao seu sentido de moralidade” diz Dr. Altemeyer. “O seu moralismo fá-los sentir que estão a agir moralmente quando atacam os homossexuais. Fá-los superar as inibições que normalmente teriam em relação à agressão [contra outras pessoas]

A Religião torna a mudança difícil.


Dr. Altemeyer diz aos seus estudantes que é gay. "Para a maioria, ao longo do ano, isto torna as suas atitudes em relação aos homossexuais mais positivas", diz ele. "Mas se a sua hostilidade contra os homossexuais é baseada na religião, a sua forma de ver as coisas torna-se mais difícil de mudar".

"Uma vez que uma pessoa tem um preconceito contra os homossexuais, torna-se difícil alterá-lo, mesmo quando a realidade contradiz esse mesmo preconceito". Deste modo, os estereótipos dos homens homossexuais como femininos e as lésbicas como masculinas persiste na cabeça das pessoas, embora a maioria dos homens e mulheres homossexuais não sejam, de facto, assim.

Num artigo a ser publicado no fim deste ano no livro Homosexuality: Social, Psychological, and Biological Issues (Sage Publishers), Dr. Herek revê a questão de que falamos: a tenacidade da crença que os homossexuais não devem ser professores, porque podem molestar sexualmente as crianças.

Citando estudos que mostram que os molestadores de crianças são, numa maioria esmagadora, heterossexuais, ou que simplesmente têm uma fixação em crianças, e não são homossexuais, Dr. Herek chama a atenção para que, apesar deste factos, muita gente continua a acreditar que os homens homossexuais são molestadores de crianças.

"Assim que os pais sentem que existe uma ameaça contra os seus filhos, as suas emoções levam-nos a ter a tendência para fazer raciocínios simplistas. É este tipo de "emocionalidade" que torna os estereótipos anti-gay tão difíceis de mudar", diz Dr. Herek.

Num estudo clássico sobre os estereótipos, Mark Snyder, um psicólogo na Universidade de Minnesota ofereceu às pessoas a descrição da história da vida de uma mulher chamada "Betty K". Depois de ler a história, a algumas pessoas foi dito que a Betty mais tarde teve uma relação lésbica e vivia com a sua companheira. A outras pessoas foi dito que a Betty se casou com um homem.

"Fez uma diferença dramática no modo como as pessoas se lembravam e interpretavam a vida dela", disse Dr. Snyder. Embora não houvesse nada de negativo no que as pessoas se lembravam, Dr. Snyder descobriu que as pessoas seleccionaram factos que apoiavam os estereótipos sobre as lésbicas e que ignoraram aqueles factos que poderiam contradizer esses estereótipos. Esta tendência normal pode resultar em preconceito e discriminação, disse ele.


Atitudes Negativas como um Bola de Neve

"Se a tua atitude for negativa, ela cresce como uma bola de neve e só reparas e te lembras de factos que são negativos, até que ela se transforma em preconceito total", diz Dr. Snyder. "E a tendência é para assumires que toda gente sente o mesmo que tu. Quanto mais convencido disto ficas, maior é a probabilidade de dares o próximo passo e pôr as tuas crenças em acção através de discriminação ou violência descarada, quer seja contra pessoas de outra raça ou contra homossexuais".

Defensividade em relação à sua própria sexualidade é outra fonte comum de hostilidade das pessoas contra os homossexuais. Na investigação de Dr. Herek, por exemplo, este era o segundo maior motivo, perfazendo 40% daqueles que eram hostis contra os homossexuais

Esta explicação para a homofobia é a mais antiga, existindo desde pelo menos 1914, no ensaio de Sandor Ferenczi, um dos primeiros seguidores de Freud, no qual ele propôs a tese que os sentimentos de nojo em relação aos homens homossexuais por parte dos homens heterossexuais são defensivos, uma reacção contra a sua atracção semelhante por outros homens. Esta perspectiva tem origem na teoria de Freud que diz que todas as pessoas começam por ser bissexuais no início da infância e que reprimem a sua atração pelas pessoas do mesmo sexo enquanto crescem.

"A homofobia tem muito a ver com a percepção estereotipada dos gays como femininos: o mais feminino um homem homossexual se parece, maior é a hostilidade que ele evoca noutros homens", diz Dr. Richard Isay, um psiquiatra na Cornell Medical College e o autor do livro Being Homosexual.

Dra. Peggy Hanley-Hackenbruck, uma psiquiatra nos Serviços de Saúde da Universidade de Oregon e Presidente da Associação de Psiquiatras Gays e Lésbicas, disse que "em mulheres heterossexuais inseguras, uma lésbica pode criar medos por causa dos seus próprio sentimentos homossexuais latentes e, como consequência, provocar hostilidade".

Dr. Isay disse também que "ver um homem feminino origina uma quantidade tremenda de ansiedade em muitos homens; despoleta a consciencialização das suas próprias qualidades femininas, tais como a passividade e a sensibilidade, que eles veem como um sinal de fraqueza. As mulheres, evidentemente, não têm medo desta feminilidade. Esta é a razão em parte pela qual os homens são mais homofóbicos que as mulheres e pela qual o preconceito e a discriminação são tão fortes em grupos nos quais os homens são seleccionados pelas suas qualidades masculinas, tais como a tropa e o desporto.

Outro psico-analistas veem a expressão de preconceito contra os homossexuais por homens como um modo de se sentirem mais seguros e de afirmarem-se como não homossexuais.

"Ao odiar os homossexuais, eles podem reafirmar a si próprios que não são gay," especialmente se tiverem dúvidas quanto à sua própria orientação sexual, diz Dr. Jennifer Jones, uma psicóloga no Programa de Investigação da Sexualidade na Universidade Pública de Nova Iorque em Albany.

Ambos os factores podem jogar entre si. "Em grupos de rapazes adolescentes que saiem à procura de gays para atacar, o homossexual simboliza o "de fora", diz Dr. Herek. "O ataque solidifica o estatuto de membro do atacante no seu grupo e afirma os seus valores comuns. Mas também é crucial que é a sua sexualidade que define o homossexual como o "de fora". Quando se sente inseguro quanto à sua sexualidade, tal como tantos adolescentes se sentem, pode-se apaziguar essa insegurança ao atacar os homossexuais".

Uma quantificação exacta deste tipo de violência contra os gays é difícil de fazer, visto que muitas das vítimas mostram-se relutantes em contactar a Polícia. Mas houve 3 vezes mais ataques contra gays denunciados à Unidade de Crimes por Discriminação do Departamento da Polícia de Nova Iorque na primeira metade de 1990 em relação ao mesmo período no ano anterior.

Em 1989 mais de 7000 incidentes de violência ou abuso contra gays e lésbicas foram denunciados nos Estados Unidos, incluíndo 62 assassinatos motivados pela homofobia, de acordo com um relatório publicado no mês passado pela Task Force Nacional Gay e Lésbica. Os números através dos anos 80 mostram um aumento estável, com um pico em 1988 e uma permanência desse nível em 1989.

Enquanto a maioria dos ataques raciais são questões de território em que as pessoas são atacadas quando entram na vizinhança de outro grupo, o mesmo não se passa com os homossexuais. Aqueles que atacam os homossexuais viajam mais frequentemente para uma zona onde os homossexuais costumam estar, para atacá-los, diz Lichtenstein. O padrão de ataque mais frequente, segundo ela, é contra um homem sozinho ou dois homens caminhando juntos.

Tal como noutros crimes por preconceito, os atacantes mais frequentes são homens jovens de 21 anos ou menos que agem em grupos, de acordo com um estudo de 331 incidentes, a ser publicado num artigo de Kevin T. Berrill, director do Projecto Anti-Violência da Task Force Nacional de Gays e Lésbicas, na edição de Setembro do Journal of Interpersonal Violence.

"Este ataques têm a intenção de nos conduzir de novo para a invisibilidade e a isolação do 'armário'", diz Berrill.

"Assumir-se é uma das estratégias mais poderosas para atacar o preconceito anti-gay", diz Dr. Herek. Esta abordagem é particularmente eficiente naqueles em que as atitudes anti-gay são baseadas em estereótipos negativos que nunca foram desafiados antes através da socialização com alguém que é homossexual. Paradoxalmente, esta abordagem pode também levar a um aumento de incidentes anti-gay, dizem líderes do movimento gay.

"Embora os dados possam sugerir que a intolerância está a ganhar terreno, eu acredito que a verdade é o oposto", diz Berrill. "Acho que nos próximos anos, as pessoas lésbicas e gay vão ter a experiência de tanto um aumento da aceitação como da violência".

*Traduzido de "Studies Discover Clues to the Roots of Homophobia" by Daniel Goleman, New York Times, July 10, 1990


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