quinta-feira, 3 de julho de 2008

Direitos Humanos e Homossexuais (parte II)


A homossexualidade no Brasil – breve relato

A violência contra homossexuais não é um problema novo na América Latina ou, no caso deste estudo, no Brasil. Quando os portugueses aqui chegaram, ficaram horrorizados com as práticas homossexuais praticadas com naturalidade entre os índios. Posteriormente, o mesmo escândalo se deu quando da chegada dos negros escravos, oriundos de tribos onde a prática homossexual era um fator cultural e aceito como algo natural. Em 1593, uma mulher brasileira chamada Felipa de Souza foi torturada pela Inquisição portuguesa, acusada de praticar lesbianismo. Colonizadores franceses que chegaram ao Maranhão em 1616 ficaram, igualmente, estupefatos quando encontraram índios tupinambás praticando atos homossexuais. Conta-se que um destes índios foi amarrado à boca de um canhão e estraçalhado pela bala em repúdio ao seu ato homossexual.

Finalmente, em 1824, pouco mais de 300 anos depois da chegada dos portugueses à estas terras, que a homossexualidade deixou de ser considerada crime. Findo o jugo português, a lei brasileira prevaleceu, à luz das novas idéias que chegavam da Europa. Infelizmente, a lei não foi o bastante para modificar a mentalidade das pessoas, fazendo parte de nossa cultura que o homossexual deve ser eliminado da vida social, herança de uma sociedade patriarcal embasada nos valores de nossos colonizadores.



A homossexualidade e a violência

O brasileiro não se sente à vontade com relação à homossexualidade, muito menos a polícia ou as autoridades investidas de poder para manter a ordem. Muitos dos que se vêem no dever de prevenir, evitar e punir a violência também temem a homossexualidade como uma espécie de ameaça. Esquecem-se de que estão agindo com seres humanos, cidadãos que pagam seus impostos, muitos deles, inclusive, uma grande força produtiva para o país. As razões para o preconceito estão na nossa herança cultural européia tipicamente secular, somadas às convicções religiosas e um curioso machismo latino, não muito saliente. É ilógico ver as mesmas pessoas que aplaudem homossexuais desfilando durante o Carnaval, por exemplo, jogando pedras contra a homossexualidade nos outros meses do ano. O brasileiro, pelo simples motivo de não deter uma personalidade cultural própria, sendo uma mistura de tantas etnias, descobre-se amigo, outras vezes hostil, aberto e outras vezes fechado para aquilo que não consegue entender em sua plenitude.

Como os homossexuais vem sendo cada vez mais marginalizados no Brasil, em grande parte por causa da AIDS, estes indivíduos também se tornaram alvo das investidas dos policiais, posto que no Brasil existe um esforço conjunto para "eliminar" marginais da sociedade, como mendigos, menores de rua, negros que praticam assaltos e, evidentemente, os homossexuais, caracterizados por alguns como "disseminadores de doenças". Em outros casos, a polícia apenas fecha os olhos para situações de violência vitimando homossexuais, um comportamento já bastante conhecido, principalmente pelos negros e pessoas menos abastadas. Existe uma idéia pré-concebida de que quando alguém mata um homossexual, praticou apenas um "serviço de limpeza" na sociedade, como se matar fosse a solução para os problemas do mundo e, pior do que isso, como se homossexuais fossem um mal passível de eliminação. O que deve ser eliminada é esta visão cruel, desumana e animalizada de algumas pessoas que vêem em seu próximo a extensão de um tipo de ódio ou revolta particular que não são capazes de resolver.

Demonstrações de violência não faltam, um verdadeiro prato cheio para a mídia nacional e internacional. Recentemente, o adestrador de cães Edson Neris da Silva, de 35 anos, morreu depois de ter sido espancado por uma gangue de skinheads – conhecidos como "cabeças raspadas - na praça da República, em São Paulo. Por volta das zero horas do dia 06 de fevereiro de 2000, um grupo de 30 jovens carecas vestidos com roupas pretas se aproximou de Edson e de um amigo, Dario Pereira Netto, que estava com ele. Ao perceberem que seriam abordados pela gangue, Edson e o amigo, saíram correndo em direções opostas. Netto foi agredido, mas conseguiu escapar. Silva foi alcançado pelos skinheads. De acordo com testemunhas, a agressão contra Silva durou cerca de 20 minutos. Edson foi espancado até a morte e seu corpo foi abandonado em plena praça. A polícia conseguiu prender 18 jovens que estavam reunidos num bar, sendo 16 homens e duas mulheres, os quais foram indiciados por formação de quadrilha e como suspeitos do homicídio. Para vergonha nossa, este caso vem sendo acompanhado de perto pela comunidade internacional interessada na fiscalização da aplicação dos direitos humanos.

Outro caso que vem chamando a atenção internacional é a violência sofrida por Rosana Lage Ligero e Marli José da Silva Barbosa, em Pernambuco. Em junho de 1996, depois de uma investigação aparentemente parcial, a polícia local de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, prendeu as duas mulheres que mantinham, abertamente, uma vida em comum. As duas foram acusadas de "autoras intelectuais" do assassinato da senhora Sra. Joseth Pessoa de Siqueira, acusação baseada num único testemunho - o de uma mulher que vive no mesmo prédio de Marli e Rosana - que contou à polícia que Marli e Rosana haviam pago dois homens para matarem a senhora Siqueira. A polícia solicitou uma ordem judicial para prender as mulheres, mas tal ordem foi emitida apenas dois dias depois das mulheres já estarem sob custódia policial. Nesse meio tempo, as duas foram açoitadas com um chicote de borracha e foram ameaçadas de estupro. Também foram agredidas verbalmente. De acordo com uma das vítimas, dois oficiais da polícia que participavam do interrogatório forçaram-nas a praticar sexo oral com eles a fim de "perceberem o que estavam perdendo por não praticarem sexo com homens". A polícia nominou-as como sendo "lésbicas homicidas" perante a imprensa local, e continuaram a bater nelas quando se recusaram a ser fotografadas por repórteres de jornal.

Ao recusarem a assinar uma confissão escrita e pagar um suborno exigido pela polícia, as duas foram transferidos para vários centros de detenção até que foram transferidas para uma prisão onde permaneceram encarceradas durante onze meses. Embora temessem uma nova vingança por parte da polícia, as mulheres concordaram em ser examinadas pelo Instituto Médico Legal do Estado de Pernambuco, o qual confirmou os danos físicos sofridos por elas como resultado da violência policial. Após uma audiência pública, em 1997, um juiz ordenou a transferência delas para uma prisão temporária. Durante a audiência, tanto o tribunal, quanto as autoridades policiais se referiram à Marli e Rosana como "as homossexuais".

Apesar destas duas mulheres nunca terem conhecido, encontrado ou falado com os outros dois acusados, senhores Paulo Fernando e José Augusto, e muito menos terem pago a eles qualquer quantia em dinheiro, as mesmas foram indiciadas como co-autoras do crime, conforme determinação da Justiça.

Apesar da evidência de má conduta policial, Marli e Rosana continuam esperando uma revisão de seu caso pelo Supremo Tribunal. Em 25 de agosto de 1999, Marli e Rosana participaram de uma audiência, na Comissão Nacional de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, sendo recebidas por deputados federais que ouviram suas denúncias de tortura, discriminação, preconceito e racismo da polícia e da justiça.

O caso de Marli e Rosana demonstra o grau de violência anti-homossexual praticado pela nossa polícia. Justamente aqueles que são pagos para, à princípio, salvaguardar a população, são os principais agentes na violação dos direitos humanos.

O relatório de Luiz Mott, anteriormente citado, enumera, ainda, inúmeras outras formas de violência contra indivíduos homossexuais no Brasil. Além dos famoso insultos verbais, consagrados pelo lado negro da cultura popular, homossexuais são discriminados nas escolas, onde ocorre a expulsão de alunos quando se evidencia sua homossexualidade e trabalhadores perdem seus empregos por assumirem publicamente sua orientação sexual. É preciso conscientizar a população de que a Constituição Federal garante o direito de todos à dignidade e ao respeito de sua integridade física, moral e psicológica. Enquanto este país nutrir ódios e selvagerias como estes, jamais será chamado de nação justa. A causa maior de tanta hostilidade se encontra, basicamente, em nossa formação cultural, como já foi descrito. Vamos esperar que o amanhecer do século XXI renove as esperanças que temos num país mais digno e justo para se viver.

Situação legal

No que se refere à legislação nacional tutelando os interesses dos homossexuais, não existe nada de concreto. Salvo para militares, não existem leis proibindo a prática da homossexualidade em nosso país. O que ocorrem são leis regionais, principalmente de âmbito municipal, que protegem alguns interesses, como ocorrem em cidades no Distrito Federal, Bahia, Sergipe, Mato Grosso, São Paulo e Rio de Janeiro, proíbe-se qualquer forma de discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo.

No Congresso Nacional, um projeto de lei visando garantir alguns direitos à parceria civil entre pessoas do mesmo sexo ainda não foi votada, apesar das pressões de alguns grupos organizados interessados em sua aprovação. Se isso ocorrer, o Brasil, a exemplo de muitas nações desenvolvidas, como Holanda, Dinamarca e, recentemente, a França, se tornará um dos poucos países do mundo a institucionalizar a parceria civil entre indivíduos do mesmo sexo.

Vamos torcer para que a boa vontade de nossos legisladores, não somente no que se refere à parceria civil, mas na salvaguarda de outros direitos dos homossexuais, como o direito à sua liberdade de expressão, por exemplo, ou o direito de salvaguardar seu emprego de toda forma de preconceito, sejam observados e assistidos. Assim como no caso dos negros, crianças e índios, o que ocorre é falta de interesse político, o grande mal deste país.


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Maiores informações através dos websites:

- http://sites.uol.com.br/dropius
- http://sites.uol.com.br/direitos_humanos

Romualdo Flávio Dropa

Romualdo
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Registro: 17 Mar 2004 09:37

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