terça-feira, 20 de janeiro de 2009

GLS Planet entrevista Fernando Carpaneda

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Ele fez dos "excluídos" a sua inspiração, e com ela alcançou um mercado de trabalho até então reservado a artistas internacionais e do mundo fashion. Underground, ele próprio - ex-punk, auto-didata, e peregrino no submundo de Brasília - chegou à reservada galeria do clube de rock underground CBGB, no Village, NY. Fernando Carpaneda encontrou a sua brecha como homossexual e artista plástico que não teve medo de fugir da estética-padrão e encontrar o seu mundo: garotos de programa, drag-queens, punks, junkies, e figuras submersas em preconceito.
O nosso entrevistado de hoje fala aberto, critica o enquadramento das artes plásticas no Brasil nos modelos internacionais e in. Ele fala por si mesmo e por sua obra, aqui para o GLS Planet.


- Como é o seu processo de criação e o seu mundo "underground"?

- Meu processo de criação vem do convívio com pessoas. A convivência com o retratado é parte fundamental do meu trabalho. A base onde coloco a figura em argila é feita com objetos que o retratado usou, consumiu ou na situação em que esteve no mesmo espaço fisico que eu. Uso guimbas de cigarros, latas de cerveja, caixas vazias de pastas de dente e etc para compor a obra. Essa base representa o mundo do retratado. Depois, faço a escultura em argila e acrescento frases ou poesias feitas por mim ou do retratado. Depois plastifico a peça.

Acho que quando um cara coloca um salto, veste uma mini-saia e vai pra esquina trabalhar, isso é um ato de enorme sinceridade, com ele próprio e com o mundo. Ele está ali sozinho, enfrentando tudo e todos, está desprendido de qualquer tipo de postura. São pessoas muito seguras do que fazem e, por isso, exigem respeito. Sempre gostei disso desde criança. Essas pessoas, por terem uma estética fora do padrão e terem uma experiência de vida e de rua muito fortes, sempre me influenciaram no meu modo de ver e fazer arte; arte para mim sempre foi sentimento. O artista tem que se expor tem que mostrar quem ele é.

- E por quê você acha que GLS e travestis se situam ainda no mundo dito underground para a sociedade brasileira?

- O gay brasileiro não é respeitado pela sociedade por culpa da televisão, que só explora o caricata, a bichinha e gente afetada fazendo fofoca da vida alheia na TV. Não mostram dois homens de terno se amando e tendo uma vida normal, falando grosso mas de mãos dadas com seu namorado. Muitas familias têm filhos gays em casa e nem sabem. Os pais imaginam que ter filho homossexual é ter uma Vera-Verão ou um Pit Bicha em casa e morrem de medo disso. A TV denigre sempre que pode o homossexual. Minhas esculturas mostram homens amando outros homens,drags, punks e marginais.
Quando as pessoas vão a uma exposição minha se sentem agredidas com os trabalhos que mostram homens fortes se beijando. Na cabeça delas aquilo é inaceitável pois o estereótipo que elas conhecem não é aquele! Como já disse, as pessoas se acostumaram com o tipo afetado e bichinha!

- Você encontrou seu caminho em Nova Iorque, onde expõe. Seria esta apenas o único caminho para expor seu trabalho ou uma escoha pessoal devido a sua homossexualidade ?

- Sempre fiz exposições no Brasil com o mesmo trabalho que exponho em Nova Iorque. A diferença é que o povo brasileiro e a imprensa só dão valor quando alguém faz sucesso no exterior. Consegui espaço no exterior por ser eu mesmo e ter uma ligação direta com o que faço. Minha criação artística vem da vida que levo; é um diário publico. Em vez de escrever em um caderno crio um cenário sobre minha vida e o exponho.

- Num país como o nosso, onde o preconceito é uma ferramenta de opressão a todos que se afastam do lugar-comum, o homoerotismo em sua obra é intencional? Ou é um vácuo na cultura artística de bom nível?

- Não comecei a esculpir homens intencionalmente, isso foi surgindo de forma bem natural. Geralmente quando me apaixonava por algum cara, esculpia o retrato dele (acho que sou meio Medusa, fico com o cara e o transformo em pedra, ah, ah, ah!). Então comecei a explorar mais os meus sentimentos em relação aos homens e a esculpí-los de forma que qualquer pessoa que olhasse a escultura soubesse o que eu sentia e qual era a minha relação com o modelo retratado. Não é apenas um homem nu que está ali. É alguém que amei ou tive uma relação. Esta forma de trabalho acaba gerando algum preconceito, pois as pessoas olham pra mim e imaginam o que pode ter acontecido entre mim e o modelo. Tem gente que me olha com muita raiva, outras com medo e algumas querem apenas transar para virar esculturas. É uma situaçao louca pois, como eu estou aberto intimamente, muita gente se sente no direito de se abrir comigo. Portanto já ouvi de tudo!

- Seu trabalho atual: conte um pouco sobre as novidades...
- Estou terminando algumas esculturas para expor na CB's Gallery do CBGB em Nova Iorque no final do verão e na "Off the Wall Gallery" na Filadélfia e preparando uma exposição para o final de 2003 no Mocada Museum do Broklyn. São retratos de pessoas que conheci em Nova Iorque, como o ator pornô Tom International, que fez o filme Skin Gang e algumas pessoas que conheci no festival Homocorps, como a drag-queen Yolanda, de uma banda de rock'n roll chamada Yolanda and the Plastic Family, e várias pessoas do mundinho fashion de Nova Iorque, punks, e mendigos do Squat onde morei em Manhattan.

- Algum recado para nosso público em especial? Fique à vontade..
-Os homossexuais brasileiros tem que se unir para defender seus direitos, não adianta só falar. Você tem que mostrar quem você é e impor respeito. Todo homem tem direito de ser feliz e casar com quem quiser. Já fui expulso várias vezes de bares em Brasília por beijar meu namorado e vou continuar beijando até conseguir os meus direitos!

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