Entrevista publicada em:14/01/2002, no site:
www.fervo.com.br
Maitê Schneider está em todas! A transexual é um dos ícones do movimento GLBTS brasileiro, matéria de diversas revistas e jornais. Ela ficou famosa nacionalmente ao aparecer ao lado de Marta Suplicy em cartazes espalhados na cidade de São Paulo nas eleições municipais de 2000. Além de conhecida e engajada, Maitê também é linda. Foi Miss Brasil versão travesti no ano 2000, capa de diversas revistas destinadas aos admiradores das transgêneros.
Fervo.com.br - No seu último Artigo - Camisinha? Eu? - , você constata que muitos dos gays estão perdendo o hábito de usar camisinhas nas suas relações sexuais. Estes dados são ainda mais fortes entre os jovens. Atualmente, temos o bareback que chega a ser uma filosofia de vida, quando a camisinha pode ser abolida por completo das relações sexuais. Na sua opinião, o que leva a esta tendência? Por quê os nossos jovens se preocupam menos com a sua saúde e não tentam evitar o contato com as DSTs (doenças sexualmente transmissíveis)?
Maitê Scnneider: Na verdade, o que acontece é que nos dias de hoje, a juventude acha que a AIDS, que era o terror da minha época de adolescência, deixou de ser algo tão terrível. Doenças sexualmente transmissíveis, as DSTS, nunca foram vistas como empecilho para o não uso do preservativo. Com a AIDS, que era sinônimo quase que de morte garantida na minha adolescência, a gente se obrigou a usar preservativo... e continua usando até os dias de hoje. O problema é que a nova geração apareceu numa época em que vários testes de vacinas e promessas de curas estão sendo mostradas. Hoje em dia, a AIDS não significa mais morte... então os jovens a consideram como outra DST qualquer... e deixam de lado o preservativo. Pensam: "Se eu pegar AIDS, não tem problemas.. tomo medicação e pronto.. vivo sadio". Mas não é assim ainda. Temos que nos cuidar SEMPRE. Prazer nenhum vale o risco e o incômodo de uma DST. Camisinha sempre sim - seu passaporte para um prazer prolongado e por muito mais tempo - com saúde.
Fervo - Você afirmou em uma entrevista cedida ao site No que só foi conhecer o preconceito quando iniciou o seu trabalho de engajamento político. Recentemente você fez um cursinho pré-vestibular e teve contato diário com um grande número de adolescentes. Como foi esta experiência?
Maitê: Como tudo na vida, teve seu lado bom. Lógico que passei por uma série de "barreiras". Mas quem nasce remando contra a maré, cria forças para enfrentar qualquer barreira e obstáculo, estou certa? Não queriam deixar que eu usasse o banheiro feminino, houve momentos de chacotas e constrangimentos, professores que não entendiam muito bem o que estava acontecendo, carteirinha com nome masculino, enfim, estas coisinhas básicas, as quais já me acostumei. Por outro lado, aos poucos, como faço amizades facilmente, fui cativando o pessoal que convivia comigo nas fileiras próximas... e assim fui subindo fila por fila. No final fiquei BEM conhecida no cursinho todo, levei muita gente para conhecer várias boates GLS da cidade e acho que mostrei um pouquinho que no fundo sou mais igual por dentro do que pareço por fora.
Fervo - Continuando ainda na temática do preconceito, na minha academia, há uma travesti que malha junto com a minha turma. Ela está na academia há dois meses e nos primeiros dias, a maioria dos olhos eram desconfiados no tocante a ela. As piadinhas rolavam soltas e as pessoas tinham medo de falar com ela. Dois meses depois, ela é uma colega de academia como qualquer outra. A primeira impressão negativa foi transformada e cessaram as piadinhas. Você acha que muito do preconceito existe por que as pessoas têm uma imagem completamente deturpada das travestis/transexuais? E até que ponto as travestis possuem preconceitos consigo mesmas, já que nem todas estão dispostas a sair de dia e fazer coisas normais como todos os outros?
Maitê: As pessoas, em geral, perdem demais por medo do desconhecido. É mais cômodo acreditar nas besteiras, preconceitos e ensinamentos tortos que nos são passados de geração para geração. Quem vence esta barreira e atinge a realidade, percebe que TODO o contato humano é muito válido. Até de minhas piores experiências, sempre tirei boas lições. E isto não funciona somente comigo. Funciona com você, que me lê agora, também!! Tenha a certeza disto. Infelizmente ainda é pequeno o número de pessoas com esta ousadia de conhecer a realidade e a verdadeira essência da vida. Poucos são os privilegiados de desfrutarem deste sentimento maior. Quando nos damos à chance de conhecermos ALGUÉM, seja quem for este alguém, sem a intenção de julgá-lo ou enquadrá-lo em alguma espécie de categoria, ampliamos nossos horizontes e começamos a aprender que o mundo realmente vai além de nossos umbigos e que todas as pessoas são fontes de experiências, vivências e conhecimentos. Podemos ganhar muito quando tiramos a venda dos olhos. Agora, com relação ao preconceito das travestis com relação a elas mesmas, tenho a certeza de que existe. E não é preconceito não, é falta de auto-estima, na verdade. Eu sofri muito por ter uma baixa auto-estima. Sempre fiquei muito no papel de vítima, sofredora e mal amada pelo mundo. Nada mais normal. Dizem que nós, transgêneros e homossexuais, somos pecadores, sujos, malditos, doentes e que o inferno será nosso melhor presente. Tanto carinho assim, retorna em forma de baixa auto-estima, de violência algumas vezes, de desânimo e suicídio em outras, enfim, de todas estas coisas que jornais sensacionalistas tem coragem de expor tão claramente. Mas conto para vocês, que quem consegue sair disto tudo, dar a volta por cima, rodar a baiana, subir no salto novamente e ainda continuar sendo ela mesma - é uma pessoa muito forte, e que certamente será lembrada sempre não pela coragem, mas pela força de não ter desistido e mostrado que é possível ser o que a gente quer, onde quer que estejamos.
Fervo - No meio gay, há diversas subdivisões. Temos as monas, as barbies, as travestis, os bofes,... Dentro destas subdivisões há preconceito contra as outras subdivisões. Assim, você como transexual politicamente engajada enfrenta mais preconceito no meio gay ou no meio heterossexual? E as travestis/transexuais possuem na sua maioria preconceitos contra os demais grupos?
Maitê: Preconceito não é privilégio de classe nenhuma. Preconceito é algo ensinado no útero materno ( a mãe que fica torcendo para o filho perfeito - quem não quer?) , na infância, nas rodas de amigos, no dia-a-dia cotidiano de todo mundo. Até do seu!! Enfim, preconceito parece que é algo que sempre existiu. Temos a necessidade de possui-lo. Parece que o preconceito nos torna seletivos e mais valorizados perante isto ou aquilo. Sempre fico pensando: " Como pode, uma pessoa, seja negra, judia, mulher, nariguda, obesa, magérrima, orelha-de-abano, enfim.... - pessoas que sofrem preconceitos diversos - terem preconceito??" Não consigo achar uma resposta para isto. Quem já sofreu uma vez sequer por um preconceito qualquer, sabe o quanto é doído ser excluído de algo, em função desta característica. E como pode ter a crueldade de fazer alguém sofrer, esmagando este alguém com alguma espécie de preconceito. Eu acho muita covardia e muita crueldade isto tudo. Abomino os preconceitos. Preconceito é o mal de vários séculos, que espero que não deixemos de legado para nossas futuras gerações.
Fervo - Você sempre foi aceita por sua família e nunca precisou usar da prostituição para conseguir se manter. A prostituição é quase um carma para as travestis/transexuais, mesmo as que não se prostituem são tratadas como tal. Na sua opinião o que os grupos GLBTS poderiam fazer para mudar esta imagem e esta realidade?
Maitê: A imagem das travestis e transexuais sempre esteve ligada muito à prostituição, por ser esta a forma de vida única em que éramos aceitas. Era este o único trabalho "digno" que nos ofertavam. E teve época em que quiseram até delimitar territórios e regras para este trabalho. Em primeiro lugar, creio que devemos acabar com a moralização da prostituição. Todos e todas têm o direito de fazerem o que quiserem com seu corpo, desde que não se firam normas de sociedade e de convívio comum. Posto isto, acredito que o trabalho dos grupos GLBTS e da sociedade civil organizada em geral, seja dar condição igualitária para que todo mundo possa ser o que desejar. Não se deve ter regras, mesmo que "implícitas", de que travesti e transexual tem que se prostituir, de que pobre tem que mendigar e cuidar de carros, de que negros tem que ser porteiros ou mecânicos... enfim, estas besteiradas todas. Os grupos, entidades e associações em geral, devem lutar pela busca desta igualdade. Com isto, paralelamente, iremos construindo auto-estima, confiança individual em cada cidadão e também aumentando a valorização de cada um perante o mundo em que vive. Se a pessoa quiser se prostituir, tem que ter este direito. O que não pode acontecer, é ir para a prostituição "sem querer", por não conseguir outra forma de sobrevivência, devido ao preconceito e ignorância existentes. Temos que tirar da teoria a linda frase de que todos somos iguais, e começarmos a praticá-la.
Fervo - Luiz Mott (presidente do Grupo Gay da Bahia) sugeriu, na última reunião do Conselho Nacional dos Direitos Humanos que fossem reservadas vagas para gays em universidades e cargos públicos. O que você acha desta idéia? Acha que diminuiria a discriminação?
Maitê: Ainda não tenho uma opinião formada sobre isto. Creio que talvez em termos de visibilidade esta tática seja boa, mas acho que isto tudo é somente um atalho. Creio que deveremos partir para a luta pela educação de base. Está na hora de mudarmos conceitos e fazer vigorar leis lindas e que não são colocadas em prática. Está na hora de irmos às faculdades e nos centros acadêmicos e discutirmos abertamente a questão homossexual e transexual. Está na hora de radicalizarmos mais amplamente e não ficarmos mais querendo esmolas e migalhas. Não sei se estou falando besteira ou não. Como eu disse, ainda estou meio confusa, sobre esta questão, mas no momento é assim que penso...
Fervo - Num dos primeiros textos seus que eu li, você afirmava que as pessoas ainda se espantavam muito com os gays porque eles não tinham coragem de mostrar seus sentimentos. Hoje o que vejo é caminharmos cada vez mais para um gueto. Neste gueto temos hotéis para gays, cabeleireiros para gays, escolas para filhos de gays,... No ponto de vista comercial este pode ser um bom nicho, mas até que ponto isto colabora para diminuir o preconceito?
Maitê: Estamos num momento de transição. É complicado, para quem sempre se sentiu errado, sujo e "com problemas", passar a mudar esta mentalidade da noite para o dia. O gueto deveria ser a nossa porta de saída para a globalização dos seres humanos. Globalização, no sentido de unificação para crescimento, entende? O gueto nunca deve ser usado como alternativa final para grupo nenhum. Deve ser válvula de escape até que se consiga a devida coragem de ousar tentar esta unificação em busca de um mundo melhor e mais unido. O gueto como caminho, eu acho válido, pois incentiva um conhecimento único e talvez "facilitado" mais próximo do lugar comum. Agora o gueto, como sua moradia final eu acho péssimo. Sou contra panelinhas, guetos, redutos e contra qualquer espaço que limite minha condição de ser em qualquer estágio.
Fervo - Toda a literatura sobre transexualismo afirma que uma pessoa transexual não precisa obrigatoriamente fazer uma cirurgia de adequação do órgão genital. Porém, a literatura médica, afirma que há sim a cura para o transexualismo e que esta cura é a operação de mudança de sexo. Daí esbarramos em problemas técnicos, como cirurgias mal feitas e falta de apoio governamental ao problema do(a) transexual. O que está sendo feito para garantir aos (às) transexuais o direito a viver bem com o seu corpo?
Maitê: O CFM (Conselho Federal de Medicina) está tentando o melhor caminho. Temos projetos para alteração de registro civil das transexuais, em andamento. Enfim, temos algumas coisas BEM encaminhadas. Lógico que é preciso que todo este benefício seja acompanhado por gente séria, competente e que conheça realmente as nossas necessidades, demandas e anseios. Lógico que enquanto não abrirmos a transexualidade para uma discussão mais ampla, inclusive nos meios acadêmicos, esbarraremos em mais preconceito ainda. Aos poucos as transexuais estão deixando de serem vistas como aberrações psicológicas ou incapazes totais. Começa-se a entender a transexualidade e perceber que a sociedade e o Estado podem ajudar à adaptação e correção da transexual ao que realmente ela é em essência.
Fervo - Há muitos anos você é engaja politicamente. Durante todo este período qual foi a sua pior experiência como líder GLBT?
Maitê: Puxa, líder??? Que peso esta palavra.. hehehe. As piores experiências de militância são, sem dúvida, quando vejo um amigo, uma amiga ou até um anônimo qualquer, sangrando até a morte, ser dilacerado com violência até não conseguir respirar, ser degolado, ser asfixiado e falecer agonizando sem ter culpa de nada. Por ser "fora do padrão correto" do que o assassino acha certo, já vi muitas vidas serem perdidas. Já perdi muitos colegas, amig@s e já vi vários tipos de mortes e com diversos requintes de crueldades em cada morte. Já vi de tudo um pouco e isto tudo me dói muito. Dói demais. Penso sempre: " Por que não cheguei antes, por que não tentei algo mais intensamente..." Sinto-me meio inútil.. não é um bom sentimento....: ((
Fervo - E qual foi a sua melhor experiência?
Maitê: Ahh foram tantas... Ver alguém feliz pelo simples fato de ter podido desabafar "seu segredo", ver a alegria de um filho que conta para seus pais sobre sua sexualidade, ver as pessoas trabalhando sem serem discriminadas. Saindo, namorando e principalmente vivendo, sem precisar se esconder de nada e de ninguém. De cabeça erguida e de peito aberto.
Fervo - Temos muito forte o conceito de orgulho gay, o conceito de ser feliz por ser quem é e conseguir assumir a sua sexualidade numa sociedade tão homofóbica. Nesta última pergunta, o que você tem a dizer aos jovens que tem medo de assumir? Como podemos aumentar o nosso orgulho de sermos gays?
Maitê: Não creio que devemos aumentar somente o orgulho de ser gay.. devemos é ter orgulho de ser gente em primeiro lugar. De sermos pensantes, inteligentes e únicos. Devemos celebrar a vida e o fato de estarmos vivos. Digo, aos jovens, à você que é jovem, que tudo na vida tem o seu momento. O momento pode ser agora, pode ser amanhã, pode estar ainda longe. Mas tenha certeza, o momento ainda não passou. Quando você sentir dentro de ti, um sininho tocando, uma campainha buzinando ou uma voz que não quer mais calar, solte a voz, grite e diga ao mundo TUDO o que você pensa e quer. Somente VOCÊ saberá este momento. Sinta dentro de você mesmo esta voz e saberás o momento correto de tudo acontecer.
Por Pamella Anderson
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Maitê Schneider está em todas! A transexual é um dos ícones do movimento GLBTS brasileiro, matéria de diversas revistas e jornais. Ela ficou famosa nacionalmente ao aparecer ao lado de Marta Suplicy em cartazes espalhados na cidade de São Paulo nas eleições municipais de 2000. Além de conhecida e engajada, Maitê também é linda. Foi Miss Brasil versão travesti no ano 2000, capa de diversas revistas destinadas aos admiradores das transgêneros.
Fervo.com.br - No seu último Artigo - Camisinha? Eu? - , você constata que muitos dos gays estão perdendo o hábito de usar camisinhas nas suas relações sexuais. Estes dados são ainda mais fortes entre os jovens. Atualmente, temos o bareback que chega a ser uma filosofia de vida, quando a camisinha pode ser abolida por completo das relações sexuais. Na sua opinião, o que leva a esta tendência? Por quê os nossos jovens se preocupam menos com a sua saúde e não tentam evitar o contato com as DSTs (doenças sexualmente transmissíveis)?
Maitê Scnneider: Na verdade, o que acontece é que nos dias de hoje, a juventude acha que a AIDS, que era o terror da minha época de adolescência, deixou de ser algo tão terrível. Doenças sexualmente transmissíveis, as DSTS, nunca foram vistas como empecilho para o não uso do preservativo. Com a AIDS, que era sinônimo quase que de morte garantida na minha adolescência, a gente se obrigou a usar preservativo... e continua usando até os dias de hoje. O problema é que a nova geração apareceu numa época em que vários testes de vacinas e promessas de curas estão sendo mostradas. Hoje em dia, a AIDS não significa mais morte... então os jovens a consideram como outra DST qualquer... e deixam de lado o preservativo. Pensam: "Se eu pegar AIDS, não tem problemas.. tomo medicação e pronto.. vivo sadio". Mas não é assim ainda. Temos que nos cuidar SEMPRE. Prazer nenhum vale o risco e o incômodo de uma DST. Camisinha sempre sim - seu passaporte para um prazer prolongado e por muito mais tempo - com saúde.
Fervo - Você afirmou em uma entrevista cedida ao site No que só foi conhecer o preconceito quando iniciou o seu trabalho de engajamento político. Recentemente você fez um cursinho pré-vestibular e teve contato diário com um grande número de adolescentes. Como foi esta experiência?
Maitê: Como tudo na vida, teve seu lado bom. Lógico que passei por uma série de "barreiras". Mas quem nasce remando contra a maré, cria forças para enfrentar qualquer barreira e obstáculo, estou certa? Não queriam deixar que eu usasse o banheiro feminino, houve momentos de chacotas e constrangimentos, professores que não entendiam muito bem o que estava acontecendo, carteirinha com nome masculino, enfim, estas coisinhas básicas, as quais já me acostumei. Por outro lado, aos poucos, como faço amizades facilmente, fui cativando o pessoal que convivia comigo nas fileiras próximas... e assim fui subindo fila por fila. No final fiquei BEM conhecida no cursinho todo, levei muita gente para conhecer várias boates GLS da cidade e acho que mostrei um pouquinho que no fundo sou mais igual por dentro do que pareço por fora.
Fervo - Continuando ainda na temática do preconceito, na minha academia, há uma travesti que malha junto com a minha turma. Ela está na academia há dois meses e nos primeiros dias, a maioria dos olhos eram desconfiados no tocante a ela. As piadinhas rolavam soltas e as pessoas tinham medo de falar com ela. Dois meses depois, ela é uma colega de academia como qualquer outra. A primeira impressão negativa foi transformada e cessaram as piadinhas. Você acha que muito do preconceito existe por que as pessoas têm uma imagem completamente deturpada das travestis/transexuais? E até que ponto as travestis possuem preconceitos consigo mesmas, já que nem todas estão dispostas a sair de dia e fazer coisas normais como todos os outros?
Maitê: As pessoas, em geral, perdem demais por medo do desconhecido. É mais cômodo acreditar nas besteiras, preconceitos e ensinamentos tortos que nos são passados de geração para geração. Quem vence esta barreira e atinge a realidade, percebe que TODO o contato humano é muito válido. Até de minhas piores experiências, sempre tirei boas lições. E isto não funciona somente comigo. Funciona com você, que me lê agora, também!! Tenha a certeza disto. Infelizmente ainda é pequeno o número de pessoas com esta ousadia de conhecer a realidade e a verdadeira essência da vida. Poucos são os privilegiados de desfrutarem deste sentimento maior. Quando nos damos à chance de conhecermos ALGUÉM, seja quem for este alguém, sem a intenção de julgá-lo ou enquadrá-lo em alguma espécie de categoria, ampliamos nossos horizontes e começamos a aprender que o mundo realmente vai além de nossos umbigos e que todas as pessoas são fontes de experiências, vivências e conhecimentos. Podemos ganhar muito quando tiramos a venda dos olhos. Agora, com relação ao preconceito das travestis com relação a elas mesmas, tenho a certeza de que existe. E não é preconceito não, é falta de auto-estima, na verdade. Eu sofri muito por ter uma baixa auto-estima. Sempre fiquei muito no papel de vítima, sofredora e mal amada pelo mundo. Nada mais normal. Dizem que nós, transgêneros e homossexuais, somos pecadores, sujos, malditos, doentes e que o inferno será nosso melhor presente. Tanto carinho assim, retorna em forma de baixa auto-estima, de violência algumas vezes, de desânimo e suicídio em outras, enfim, de todas estas coisas que jornais sensacionalistas tem coragem de expor tão claramente. Mas conto para vocês, que quem consegue sair disto tudo, dar a volta por cima, rodar a baiana, subir no salto novamente e ainda continuar sendo ela mesma - é uma pessoa muito forte, e que certamente será lembrada sempre não pela coragem, mas pela força de não ter desistido e mostrado que é possível ser o que a gente quer, onde quer que estejamos.
Fervo - No meio gay, há diversas subdivisões. Temos as monas, as barbies, as travestis, os bofes,... Dentro destas subdivisões há preconceito contra as outras subdivisões. Assim, você como transexual politicamente engajada enfrenta mais preconceito no meio gay ou no meio heterossexual? E as travestis/transexuais possuem na sua maioria preconceitos contra os demais grupos?
Maitê: Preconceito não é privilégio de classe nenhuma. Preconceito é algo ensinado no útero materno ( a mãe que fica torcendo para o filho perfeito - quem não quer?) , na infância, nas rodas de amigos, no dia-a-dia cotidiano de todo mundo. Até do seu!! Enfim, preconceito parece que é algo que sempre existiu. Temos a necessidade de possui-lo. Parece que o preconceito nos torna seletivos e mais valorizados perante isto ou aquilo. Sempre fico pensando: " Como pode, uma pessoa, seja negra, judia, mulher, nariguda, obesa, magérrima, orelha-de-abano, enfim.... - pessoas que sofrem preconceitos diversos - terem preconceito??" Não consigo achar uma resposta para isto. Quem já sofreu uma vez sequer por um preconceito qualquer, sabe o quanto é doído ser excluído de algo, em função desta característica. E como pode ter a crueldade de fazer alguém sofrer, esmagando este alguém com alguma espécie de preconceito. Eu acho muita covardia e muita crueldade isto tudo. Abomino os preconceitos. Preconceito é o mal de vários séculos, que espero que não deixemos de legado para nossas futuras gerações.
Fervo - Você sempre foi aceita por sua família e nunca precisou usar da prostituição para conseguir se manter. A prostituição é quase um carma para as travestis/transexuais, mesmo as que não se prostituem são tratadas como tal. Na sua opinião o que os grupos GLBTS poderiam fazer para mudar esta imagem e esta realidade?
Maitê: A imagem das travestis e transexuais sempre esteve ligada muito à prostituição, por ser esta a forma de vida única em que éramos aceitas. Era este o único trabalho "digno" que nos ofertavam. E teve época em que quiseram até delimitar territórios e regras para este trabalho. Em primeiro lugar, creio que devemos acabar com a moralização da prostituição. Todos e todas têm o direito de fazerem o que quiserem com seu corpo, desde que não se firam normas de sociedade e de convívio comum. Posto isto, acredito que o trabalho dos grupos GLBTS e da sociedade civil organizada em geral, seja dar condição igualitária para que todo mundo possa ser o que desejar. Não se deve ter regras, mesmo que "implícitas", de que travesti e transexual tem que se prostituir, de que pobre tem que mendigar e cuidar de carros, de que negros tem que ser porteiros ou mecânicos... enfim, estas besteiradas todas. Os grupos, entidades e associações em geral, devem lutar pela busca desta igualdade. Com isto, paralelamente, iremos construindo auto-estima, confiança individual em cada cidadão e também aumentando a valorização de cada um perante o mundo em que vive. Se a pessoa quiser se prostituir, tem que ter este direito. O que não pode acontecer, é ir para a prostituição "sem querer", por não conseguir outra forma de sobrevivência, devido ao preconceito e ignorância existentes. Temos que tirar da teoria a linda frase de que todos somos iguais, e começarmos a praticá-la.
Fervo - Luiz Mott (presidente do Grupo Gay da Bahia) sugeriu, na última reunião do Conselho Nacional dos Direitos Humanos que fossem reservadas vagas para gays em universidades e cargos públicos. O que você acha desta idéia? Acha que diminuiria a discriminação?
Maitê: Ainda não tenho uma opinião formada sobre isto. Creio que talvez em termos de visibilidade esta tática seja boa, mas acho que isto tudo é somente um atalho. Creio que deveremos partir para a luta pela educação de base. Está na hora de mudarmos conceitos e fazer vigorar leis lindas e que não são colocadas em prática. Está na hora de irmos às faculdades e nos centros acadêmicos e discutirmos abertamente a questão homossexual e transexual. Está na hora de radicalizarmos mais amplamente e não ficarmos mais querendo esmolas e migalhas. Não sei se estou falando besteira ou não. Como eu disse, ainda estou meio confusa, sobre esta questão, mas no momento é assim que penso...
Fervo - Num dos primeiros textos seus que eu li, você afirmava que as pessoas ainda se espantavam muito com os gays porque eles não tinham coragem de mostrar seus sentimentos. Hoje o que vejo é caminharmos cada vez mais para um gueto. Neste gueto temos hotéis para gays, cabeleireiros para gays, escolas para filhos de gays,... No ponto de vista comercial este pode ser um bom nicho, mas até que ponto isto colabora para diminuir o preconceito?
Maitê: Estamos num momento de transição. É complicado, para quem sempre se sentiu errado, sujo e "com problemas", passar a mudar esta mentalidade da noite para o dia. O gueto deveria ser a nossa porta de saída para a globalização dos seres humanos. Globalização, no sentido de unificação para crescimento, entende? O gueto nunca deve ser usado como alternativa final para grupo nenhum. Deve ser válvula de escape até que se consiga a devida coragem de ousar tentar esta unificação em busca de um mundo melhor e mais unido. O gueto como caminho, eu acho válido, pois incentiva um conhecimento único e talvez "facilitado" mais próximo do lugar comum. Agora o gueto, como sua moradia final eu acho péssimo. Sou contra panelinhas, guetos, redutos e contra qualquer espaço que limite minha condição de ser em qualquer estágio.
Fervo - Toda a literatura sobre transexualismo afirma que uma pessoa transexual não precisa obrigatoriamente fazer uma cirurgia de adequação do órgão genital. Porém, a literatura médica, afirma que há sim a cura para o transexualismo e que esta cura é a operação de mudança de sexo. Daí esbarramos em problemas técnicos, como cirurgias mal feitas e falta de apoio governamental ao problema do(a) transexual. O que está sendo feito para garantir aos (às) transexuais o direito a viver bem com o seu corpo?
Maitê: O CFM (Conselho Federal de Medicina) está tentando o melhor caminho. Temos projetos para alteração de registro civil das transexuais, em andamento. Enfim, temos algumas coisas BEM encaminhadas. Lógico que é preciso que todo este benefício seja acompanhado por gente séria, competente e que conheça realmente as nossas necessidades, demandas e anseios. Lógico que enquanto não abrirmos a transexualidade para uma discussão mais ampla, inclusive nos meios acadêmicos, esbarraremos em mais preconceito ainda. Aos poucos as transexuais estão deixando de serem vistas como aberrações psicológicas ou incapazes totais. Começa-se a entender a transexualidade e perceber que a sociedade e o Estado podem ajudar à adaptação e correção da transexual ao que realmente ela é em essência.
Fervo - Há muitos anos você é engaja politicamente. Durante todo este período qual foi a sua pior experiência como líder GLBT?
Maitê: Puxa, líder??? Que peso esta palavra.. hehehe. As piores experiências de militância são, sem dúvida, quando vejo um amigo, uma amiga ou até um anônimo qualquer, sangrando até a morte, ser dilacerado com violência até não conseguir respirar, ser degolado, ser asfixiado e falecer agonizando sem ter culpa de nada. Por ser "fora do padrão correto" do que o assassino acha certo, já vi muitas vidas serem perdidas. Já perdi muitos colegas, amig@s e já vi vários tipos de mortes e com diversos requintes de crueldades em cada morte. Já vi de tudo um pouco e isto tudo me dói muito. Dói demais. Penso sempre: " Por que não cheguei antes, por que não tentei algo mais intensamente..." Sinto-me meio inútil.. não é um bom sentimento....: ((
Fervo - E qual foi a sua melhor experiência?
Maitê: Ahh foram tantas... Ver alguém feliz pelo simples fato de ter podido desabafar "seu segredo", ver a alegria de um filho que conta para seus pais sobre sua sexualidade, ver as pessoas trabalhando sem serem discriminadas. Saindo, namorando e principalmente vivendo, sem precisar se esconder de nada e de ninguém. De cabeça erguida e de peito aberto.
Fervo - Temos muito forte o conceito de orgulho gay, o conceito de ser feliz por ser quem é e conseguir assumir a sua sexualidade numa sociedade tão homofóbica. Nesta última pergunta, o que você tem a dizer aos jovens que tem medo de assumir? Como podemos aumentar o nosso orgulho de sermos gays?
Maitê: Não creio que devemos aumentar somente o orgulho de ser gay.. devemos é ter orgulho de ser gente em primeiro lugar. De sermos pensantes, inteligentes e únicos. Devemos celebrar a vida e o fato de estarmos vivos. Digo, aos jovens, à você que é jovem, que tudo na vida tem o seu momento. O momento pode ser agora, pode ser amanhã, pode estar ainda longe. Mas tenha certeza, o momento ainda não passou. Quando você sentir dentro de ti, um sininho tocando, uma campainha buzinando ou uma voz que não quer mais calar, solte a voz, grite e diga ao mundo TUDO o que você pensa e quer. Somente VOCÊ saberá este momento. Sinta dentro de você mesmo esta voz e saberás o momento correto de tudo acontecer.
Por Pamella Anderson
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