domingo, 13 de setembro de 2009

Um compromisso para a vida inteira: a história de Karen Thompson e Sharon Kowalski

O seguinte material utilizado para este post é de autoria de Thereza Pires, e foi publicado originalmente no site Mix Brasil, no dia 11/09/09. ( O moderador)

"Assim aos poucos vai sendo levada
A tua Amiga, a tua Amada
E assim de longe ouvirás a cantiga
Da tua Amada, da tua Amiga
Abrem-se os olhos – e é de sombra a estrada
Para chegar-se à Amiga, à Amada!

Fechem-se os olhos – e eis a estrada antiga
E que levaria à Amada, à Amiga.
(se me encontrares novamente, nada te faça esquecer a Amiga, a Amada!).
Se te encontrar, pode ser que eu consiga,
Ser para sempre a Amada Amiga.

E assim aos poucos vai sendo levada
A tua Amiga, a tua Amada!
E talvez apenas uma estrelinha siga
A tua Amada, a tua Amiga.

Para muito longe vai sendo levada,
Desfigurada e transfigurada
(trecho da "Canção do vero amor’ de Cecília Meireles)

1976

Foi na Saint Cloud State University, Minnesota, que Sharon Kowalski (1956- ) e Karen Thompson (foto, 1947-) pela primeira vez se encontraram, no início do período letivo de 1976. Ali funciona um Centro Feminino que estimula serviços comunitários e implementa o ativismo, supera barreiras e apresenta novas oportunidades na vida das mulheres abandonadas, agredidas ou desamparadas., Amparadas pela lei e pelo calor humano são estimuladas a vivenciar novas oportunidades evitando os erros acontecidos no passado.

Naquele ambiente propício ao entendimento, Karen Thompson dava aulas e tinha como aluna Sharon Kowalski, que escolheu para compor sua grade de matérias duas disciplinas que Karen ensinava. Nenhuma das duas tinha passado lésbico. Foram envolvendo-se aos poucos - a atração e o afeto surgiram lentamente.

1983

Na tarde fria de novembro de 1983, já estavam juntas há quatro anos e haviam feito uma cerimônia particular de compromisso. Naqueles dias nem se ouvia falar de pacto civil e direitos dos companheiros mas as duas tiveram o cuidado de fazer seguros,uma beneficiando a outra, Sharon visitava a família, no norte do estado e dirigia seu carro, acompanhada dos sobrinhos Missy de 4 anos e Michael de 7, quando um motorista bêbado, vindo do nada, apareceu na estrada e houve a colisão.

Missy morreu ao ser atendida,ainda no local e Michael se recuperou com algumas seqüelas permanentes. Sharon, gravemente ferida, ficou em coma por muitos meses e sobreviveu com sérios problemas cerebrais. Numa primeira avaliação, de acordo com os médicos, com idade mental de uma criança de seis anos. Karen telefonou para a conservadora família de Sharon que ao tomar conhecimento do acidente e da seriedade do compromisso das duas, decidiu assumir o controle da vida (vida?) da doente. Karen foi obrigada a recorrer aos tribunais para obter o direito de visitar e cuidar da companheira. Começou, então, uma luta que afetaria para sempre a vida dos envolvidos.

1985

Em julho de 1985, Donald Kowalski, pai de Sharon, obteve a guarda da filha - então com 27 anos - e providenciou sua remoção para uma instituição distante 400 km da antiga residência das duas. E deu ordens drásticas, proibindo qualquer tipo de acesso à doente, apesar dos esforços que Karen fazia, usando, com bastante sucesso, seus conhecimentos profissionais na área de reabilitação motora. Ela havia conseguido, por exemplo, aperfeiçoar a comunicação usando máquina de escrever, que passou a ser o único contato de Sharon com o mundo que a cercava. Essas mensagens datilografadas evidenciaram que o acidente não tinha afetado a capacidade intelectual de Sharon e que seu desejo era voltar a viver com Karen, que desejava o mesmo.

Os pais e os tribunais julgaram, mais uma vez, que a doente não tinha mais condição de decidir sobre seu futuro. Nessa instância do processo, o assunto "saiu do armário" e caiu no domínio público.Karen tinha certeza,por sua experiência no Centro Feminino da Universidade, que conseguiria o apoio da comunidade LGBT e dos grupos de apoio a deficientes físicos. Talvez essa força conjunta ajudasse a mudar a decisão judicial.

Ela batalhou durante oito anos e meio e 300 mil dólares de custos legais - vindos de donativos de homossexuais, advogados, dos shows da cantora Ann Reed. especialistas em recuperação física e de gente comum que se emocionou com o caso.Percorreu o país fazendo conferências, apareceu em programas de televisão contando sua história e alertando os casais gays para a necessidade de proteção legal para os seus relacionamentos.

Duas campanhas foram criadas para arrecadar fundos: camisetas com os slogans "Liberdade para Sharon Kovalski" e "Tragam Sharon de volta".Tudo isso acontecendo e mais o tremendo desgaste emocional e estresse que não podem ser medidos em tempo e cifras.

1988

Em setembro de 1988, Sharon foi submetida a um teste para avaliar sua aptidão e uma nova sessão no novo tribunal julgou que ela realmente era capaz de expressar seus pensamentos e desejos. Seis meses depois, Karen obteve o direito de visitar a companheira a cada 15 dias, nos finais de semana.

1991

A luta continuou e, em 1991, mais uma ida a tribunal sugeriu que Karen obtivesse a guarda e uma "terceira parte", ligada aos pais de Sharon fizesse a intermediação. A persistência venceu e, finalmente, Karen conseguiu levar a companheira para casa.
A história das duas valentes mulheres foi contada no livro "Porque Sharon Kovalski não pode ir para casa?" (Why Can’t Sharon Kowalski Come Home? Editora Spinsters/Aunt Lute,1988); no filme "Um compromisso para a vida:um retrato de Karen Thompson (Lifetime Commitment: A Portrait of Karen Thompson, dirigido por Kiki Zeldes,1994) e serviu como roteiro para a peça de Rosemary McLaughlin "Standing in the Shadow"s (mais ou menos "Permanecendo em pé em meio a sombras", 2001).

2009

Com todos os avanços que aconteceram em termos de direitos humanos e ativismo durante o espaço de tempo em que se desenrolou a triste história que vocês acabam de ler, são ainda raras as famílias que compreendem que o companheiro(a) de seu filho ou filha gay partilha a vida com ele/ela. E, muitas vezes, durante a relação, ajuda a fazer o patrimônio do casal. Em caso de morte – primeiro moralmente e, agora que a Lei pode ser usada - deve ter seus direitos assegurados ou, em caso de impedimento por doença - como na história de Karen/Sharon - pode e deve tomar conta do par, se essa for a vontade mútua.

Karen pede sempre, em suas palestras,que os casais compostos por homossexuais pensem nisso e lutem pela justiça.

Fonte:

Mix Brasil

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