quinta-feira, 19 de março de 2009

As lésbicas na Alemanha do séc. XIX ao pré-hitlerianismo - parte 2

(cont...)
A " invenção" da lésbica


É significativo que os sexólogos tenham aparecido na Europa ocidental, e principalmente na Alemanha, pouco tempo depois do nascimento do movimento feminista e do aparecimento de maiores oportunidades educacionais e profissionais para as mulheres. Estas oportunidades ampliadas significavam que mulheres como Bettine e Caroline, que se amavam, podiam agora desfrutar da independência económica e social que lhes permitia uma vida a duas. Mas os sexólogos forneceram óptimo poder de fogo para os anti-feministas que se deleitavam em argumentar que só as mulheres masculinas queriam educação e empregos, e que ser masculina era indício seguro de lesbianismo, algo de doente.

Chegadas ao princípio do séc. XX, a "amizade romântica", ou seja o amor inocente entre mulheres, já não era possível. Saídas da meninice as mulheres eram obrigadas a transferir todo o seu afecto para os homens, ou então a encarar o facto de serem "lésbicas" e de se juntarem a uma sociedade marginal. Os sexólogos sublinhavam o aspecto sexual do amor entre mulheres e a natureza pouco vulgar, isto é, anormal, desse amor. Era inculcado nas mulheres que, se não queriam ser criaturas esquisitas marginais, teriam de suprimir qualquer vestígio de afecto por outras mulheres, e que sentiam um forte afecto por outra mulher, teriam de reconhecer que tal era genital, coisa suja.

Porém, os sexólogos, que definiam o amor entre mulheres como infeliz anomalia congénita, assustaram muitas mulheres no sentido de fugirem do amor mesmo-sexo e tornaram também possível, pela primeira vez, a formação de uma comunidade e sub-cultura lésbicas, ao darem conceitos e rótulos ao fenómeno. Já em 1895, algumas lésbicas alemães "butch" usavam o cabelo curto no encaracolado Tituskopf e usavam smoking à noite e calças de montar de dia. A palavra Freundin (significando literalmente "amiga") começava a conotar uma amante lésbica. Com o início do século, as lésbicas sentiam-se suficientemente livres para exortar outras a se juntarem a elas no seu estilo de vida. Exemplo de tal exortação é o poema de Marie von Najmajer (húngara que escrevia em alemão), "Hino à filha do século XX" de 1900 (…).

Conforme as alusões deste poema celebratório, uma mulher que concordasse a ver-se a si própria como lésbica na viragem do século, terá de ter tido um forte impulso de independência social e força de espírito. Tal mulher terá sido em larga medida pioneira. Ela não terá tido acesso fácil a um grupo social largo, uma vez que existiam ainda muito poucos clubes ou bares onde as lésbicas se pudessem encontrar com as suas semelhantes. Mas à medida que a urbanização se expandia na Alemanha, de igual modo cresciam as oportunidades sociais lésbicas. Já em 1905, o pioneiro alemão da emancipação sexual, Magnus Hirschfeld, calculava no seu livro, O Terceiro Sexo em Berlim, que havia na Alemanha mais de um milhão de homossexuais (homens e mulheres), e 5.600 apenas em Berlim. Esta população homossexual em crescimento depressa deu lugar a uma série de restaurantes, cervejarias e cafés ao serviço do "terceiro sexo". Mas a maioria desses estabelecimentos era primeiramente para homens.

A população feminina permanecia muito mais encoberta, embora Hirschfeld se refira a uma "agência de encontros" onde, em 1905, as lésbicas podiam contactar e se referisse a anúncios pessoais que pareciam interessar a lésbicas, sendo exemplo: "rapariga, honesta, 24 anos, procura senhora bonita para ser sua amiga." Hirschfeld também descreve danças "de máscaras" em Berlim, às quais "muitas das lésbicas envergam roupas masculinas", e uma festa de gala anual organizada por uma mulher berlinense para o seu largo círculo de conhecidas sáficas: "depois das 8 de uma linda noite de Inverno, miríades de carros param no melhor Hotel de Berlim e deles emergem senhoras e "senhores" envergando trajes de todos os países".

Não tardou muito e críticos hostis começaram a queixar-se acerca das liberdades a que as mulheres alemãs se permitiam umas com as outras em público. A 22/2/1909, por exemplo, a "Folha Diária Berlinense" exprimia a sua desaprovação chocada a propósito de uma cantora que fora presa porque "cantava canções escandalosas para entreter espectadoras bêbedas num bar". No ano seguinte, o semanário berlinense, "O Mundo à 2ª-feira" denunciava um clube desportivo de mulheres, cujos membros não só praticavam desporto mas também dançavam juntas, algumas delas envergando cabelos curtos, casacos de homem e gravatas, e até charutos.

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