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30/01/2007:
Nice Bulhões, da AGÊNCIA ANHANGÜERA
Dois tradicionais colégios católicos de Campinas — Madre Cecília e Sagrado Coração de Jesus — estão capacitando professores para lidar com a diversidade sexual. De acordo com o Grupo Brasileiro de Pais e Mães Homossexuais (GPH), este é o primeiro curso sobre o tema realizado em escolas particulares no Brasil. O objetivo é ajudar o educador a lidar com o preconceito e a exclusão, que se dão pela manifestação da intolerância por meio de piadas, anedotas e atitudes que ridicularizam o aluno homossexual. A primeira aula foi na última segunda-feira e, no próximo dia 10, haverá um laboratório com dinâmica de grupos em que serão propostas situações desafiadoras que surgem no dia-a-dia na sala de aula e que podem levar o aluno homossexual a deixar a escola ou a atitudes extremas, como o suicídio.
“Precisamos trabalhar com as diferenças e saber conversar sobre elas”, afirmou a irmã Vera Lúcia Fanchini, diretora pedagógica dos dois colégios, administrados pela Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvário. Acrescentou que o curso é destinado aos cerca de 110 professores das duas unidades, desde os que dão aulas na Educação Infantil até no Ensino Médio. “Este curso irá acrescentar pontos positivos para a escola.”
Irmã Vera explicou que a iniciativa surgiu após a presidente do GPH, Edith Modesto, se oferecer para ministrar o curso. Professora universitária aposentada e escritora de ficção juvenil, com 11 livros publicados pelas editoras Ática, Larousse do Brasil e Escala Educacional, Edith já havia ido ao Madre Cecília por três vezes para conversar com seu leitores na escola.
Ela própria sentiu na pele a importância de trazer à tona o assunto. Edith conta que o caminho para a aceitação do seu filho homossexual não foi fácil. “A fundação do GPH, há nove anos, faz parte desse processo, assim como a pesquisa, durante cinco anos, para o livro Vidas em Arco-íris - Depoimentos Sobre a Homossexualidade. Eu sabia que me sentiria melhor se conversasse com outras mães, mas nunca consegui. Por isso fundei o grupo.”
E foi justamente durante o trabalho de pesquisa para o livro — a autora entrevistou 89 homossexuais, homens e mulheres de 15 a 62 anos, para saber quem eram essas pessoas — que Edith começou a ajudar os grupos de militância em seu trabalho de capacitação em diversidade sexual para professores de escolas públicas. “Mas, nunca foi feito o trabalho de capacitação de professores de escolas particulares”, disse. “Há três anos, criei este projeto e tenho divulgado pelas escolas, principalmente depois que eu soube de suicídios de adolescentes por não se aceitarem gays.” Segundo ela, vários diretores e coordenadores pedagógicos procurados gostaram do projeto, mas não se resolveram a colocá-lo em prática.
“Pela primeira vez, o projeto de capacitação foi aceito por colégios particulares e o que mais me emocionou é que são colégios católicos”, comemorou Edith. Na segunda-feira passada, Edith relatou aos professores conversas que teve nos últimos dois meses com jovens que desconfiam ser homossexuais, mas não se aceitam. “São depoimentos muito sofridos de garotos e garotas que se sentem sem saída, são discriminados nas escolas e que têm muito medo de perder o amor de seus pais por esse motivo”, contou. “Fiz ainda alguns relatos sobre o sofrimento de pais.”
Depois, foram abordados conceitos como diferenças entre sexualidade e sexo, identidade de gênero e orientação sexual, e ainda os tipos de discriminação na escola e como os professores podem lidar com isso. “O papel da escola e dos educadores é muito importante na desconstrução do preconceito, visando o respeito ao outro e a construção dos valores democráticos. A capacitação de professores, em sentido amplo, tem um papel de transformação social”, acredita Edith.
Alunos apostam na desconstrução de equívocos
O adolescente N.S.S., de 16 anos, e a garota C.B.F. de 19 anos, se surpreenderam com a iniciativa dos dois colégios católicos de Campinas. Estudantes da rede pública de ensino, eles consideram o curso mais uma ferramenta contra o preconceito. N. é gay e C., bissexual. “Isto serve para desconstruir a idéia equívocada de que todo gay é sempre aidético e drogado”, disse N.
Para ele, o preconceito é maior quando o indivíduo não assume a sua orientação sexual. “Tenho amigos estudando em instituições de ensino religiosas que não aceitam o fato deles serem homossexuais, tratando-os como doentes, que têm problemas psicológicos.”
C. disse que se privou de revelar a sua orientação sexual no ambiente escolar devido ao preconceito. “A escola é onde se formam os cidadãos e a nossa sociedade nossa é heterossexista”, analisou o coordenador do Centro de Referência de Gays, Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais de Campinas (GLTTB), Paulo Reis. Para ele, o curso ajudará a reduzir o preconceito e a homofobia (ódio aos homossexuais).
PONTO DE VISTA
PADRE JOSÉ TRASFERETTI - Doutor em teologia e filosofia, professor da PUC-Campinas e presidente da Sociedade Brasileira de Teologia Moral (SBTM)
Diálogo fraterno
Considero extremamente positiva a iniciativa da direção dos colégios católicos. Combater a ignorância é fundamental, já que é a mãe de todos os preconceitos e discriminações. O importante é o diálogo fraterno que educa para a cidadania, oferecendo um conhecimento amplo sobre um tema tão complexo. Muitos pais e mães possuem dificuldades para conversar com seus filhos(as) sobre sexualidade, sobretudo na adolescência. Realmente não é fácil! É preciso sabedoria, prudência e conhecimento. Não podemos mais permitir que a ausência de diálogo e de conhecimento proporcione atitudes conservadoras e mesquinhas. O preconceito se manifesta por meio de piadinhas, anedotas, olhares tão comum em nossas escolas. A ética e a cidadania no campo da sexualidade exigem pessoas maduras, livres e responsáveis.
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