domingo, 10 de agosto de 2008
Sobre literatura e arte homossexual
*Entrevista com Luiz Mott
disponível em:
http://br.geocities.com/luizmottbr/entre5.html
1 - Obras literárias como O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, Giovanni, de James Baldwin, Orlando, de Virginia Woof e Querelle, de Jean Genet, são alguns dos clássicos, cuja temática contribuiu para a caracterização de uma identidade que reivindica o lugar da diferença e, por isto mesmo, não abre mão do desejo e da linguagem. Lendo estas obras, conforme este recorte, elas assumiriam uma importância política, para além da estética. Como o senhor avalia o estatuto destas obras literárias?
Mott: O termo homossexualidade só foi cunhado pela primeira vez em 1869, na Prússia, mas desde o começo da civilização - no Antigo Egito, há 5 mil anos, o amor entre pessoas do mesmo sexo vem sendo tema de incontáveis obras literárias - a despeito de ser tratado como crime e punido com a pena de morte. Apesar do "complô do silêncio" contra o "amor que não ousava dizer o nome" - expressão atribuída a Lord Douglas, o guapo amante de Oscar Wilde - sobretudo a partir do Século das Luzes, autores gays, lésbicas ou simpatizantes ousaram relatar em seus romances, as diversas facetas do homoerotismo, quebrando tabus e abrindo espaço para o surgimento, nos finais do Século XIX, do movimento de defesa dos direitos dos homossexuais. Oscar Wilde, Proust, Gide, Abel Botelho, Adolfo Caminha sao alguns destes precursores que abriram caminho para uma geração mais engajada na defesa de temas e personagens homossexuais: Baldwin, Genet , Loti, Wolf, entre outros.
2 - Em sua experiência de leitura de obras do gênero, a fruição estética (eminentemente no âmbito do indivíduo) não foi sacrificada em função da luta pela emancipação e defesa dos direitos dos homossexuais?
Mott: Vítima da homofobia dominante em nossa sociedade, embora desde a adolescência me percebesse homossexual, lastimavelmente só tardiamente tive acesso à literatura homossexual. Filho de mãe escritora, autora de mais de 70 livros de literatura infanto-juvenil (Odette de Barros Mott, 1913-1998), li sobretudo Dostoiewski, Tolstoi, Machado de Assis, Jorge de Lima, Jorge Amado. Só adulto, a partir da militância pelos direitos humanos dos gays e lésbicas, que aproximei-me da literatura homossexual. Tive a felicidade de comprar a biblioteca de um velho gay, com 2 mil volumes, toda ela voltada para o homoerotismo - o que me permitiu ter acesso a literatura gay nacional e internacional. Confesso, contudo, que a militância continua sendo minha primeira opção, restando-me pouco tempo para a fruição literária - procurando-a sobretudo quando me auxilia a melhor entender e interpretar a realidade homossexual do passado ou contemporânea.
3 - No limiar do século XXI, ao senhor já seria possível fazer um balanço da produção literária e artística contemporânea que, para além do bem e do mal, possa estar contribuindo para que o indivíduo se liberte das amarras sociais e morais?
Mott: Sinto-me mais apto e aparelhado a avaliar a produção contemporânea historiográfica ou antropológica sobre a questão homossexual - posto serem tais áreas investigativas minha "praia" acadêmica. Considero que apesar de ainda ser bastante diminuta a produção acadêmica tupiniquim sobre o amor unissexual, já faz um século que teses acadêmicas, de Direito e Medicina, foram defendidas na Bahia e no Riode Janeiro, tendo a "pederastia" como tema. Autores como Pires de Almeida, Firmino Pinheiro, Leonídio Ribeiro, Ernani de Irajá, Estácio de Lima, Jaime Jorge, entre outros, malgrado o preconceito anti-homossexual dominante na primeira metade do século XX, têm o mérito de registrar e descrever, às vezes com riqueza de detalhes etnográficos, diferentes matizes da sub-cultura gay e lésbica nacional, permitindo-nos reconstruir aspectos da vida quotidiana, do imaginário e sobretudo, dos medos e repressões que estigmatizavam tal população. Será preciso esperar a fundação do movimento homossexual brasileiro, nos finais dos anos 70, para que a Academia aprove moções acatando com a mesma objetividade pesquisas voltadas para temas homossexuais, redundando numa crescente produção etnográfica e teórica sobre diferentes aspectos da homossexualidade.
4 - Na arte do século XX, o corpo libertou-se da opressiva sombra vitoriana e exibiu-se sem pudor. Do ponto de vista da produção intelectual, pensadores como Georges Bataille, Pier Paolo Pasolini, Roland Barthes e Michel Foucault, guardadas as peculiaridades de cada expressão, foram importantes ao focalizarem objetos que, até então, tinham sido relegados a segundo plano na tradição da produção acadêmica, científica e cultural. O senhor poderia fazer uma breve avaliação da contribuição destes pensadores?
Mott: Tenho mais familiaridade com o cineasta Pasolini e o filósofo Foucault. Os filmes do cineasta italiano marcaram profundamente minha juventude, pela linguagem barroca e surrealista como reconstruía as fantasias sexuais de seus personagens (o filme Teorema, sobretudo) - e cuja morte trágica, assassinado por um michê, reforçaram minha convicção da importância de lutar contra a homofobia e a relação neurótica que domina as interações entre os gays e os "rapazes de programa"(homossexuais egodistônicos). Há quem defenda a hipótese de um assassinato político, pois a heterodoxia de Pasolini, comunista e gay, ameaçava gravemente os alicerces do mundo heterossexual-burguês. Quanto a Foucault, lastimo que tenha usado tão parcametne sua brilhante inteligência e enciclopédica cultura na discussão da questão homossexual. Só no final da vida, quando já debilitado pela Aids, é que ousou assumir-se gay. Sua interpretação da história da identidade homossexual, além de politicamente questionável, é completamente equivocada, pois inúmeras pesquisas comprovam que muitos séculos antes do que ele chama de "medicalização da homossexualidade"(finais do Século XIX), já existia uma "sub-cultura gay" nas principais capitais européias, inclusive em Lisboa, conforme mostramos em nossas publicações. Lastimo que tantos autores gays, também no Brasil, repitam tão acriticamente esta hipótese errada do mestre Foucault - reduzindo os homossexuais da antigüidade, a meros autômatos de práticas sodomíticas.
5 -O senhor poderia eleger dez obras literárias (e/ou outras) importantes em sua formação política e intelectual?
Mott: A Bíblia A Ideologia Alemã, K.Marx As regras do método sociológico, E.Durkheim Os parceiros do Rio Bonito, Antonio Candido Obras Completas de Gregório de Matos Crime e Castigo, Dostoiewski Sexo e repressão na sociedade selvagem, B.Malinowski Corydon, A.Gide O Cristo nunca existiu, Emílio Bossi A Ética protestante e o espírito do capitalismo, M.Weber
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