sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A proteção da união homossexual no direito internacional ( cont.)

disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10266
3 - A união civil entre pessoas do mesmo sexo: the same sex unions

Outra forma internacional de proteção aos direitos oriundos da união homossexual, dentre eles, os sucessórios, são as uniões civis. Tais uniões assemelham-se ao conceito de união estável do Direito brasileiro, podendo também ser chamadas de "parcerias civis" – civil partnerships, na Inglaterra –, "parcerias registradas" – registered partnerships, nos países escandinavos – ou "parcerias domésticas" – domestic partnerships, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Vale notar que união civil tem se mostrado gênero do qual fazem parte as espécies supramencionadas, que garantem, cada uma a seu modo, um rol mais ou menos semelhante ao dos direitos oriundos do casamento.

As parcerias civis, ou parcerias registradas, garantem aos conviventes a titularidade de uma série de direitos, similares aos oferecidos aos casais matrimonializados, tais como os direitos à herança, ao benefício da pensão por morte, à guarda do filho do companheiro, ao seguro de vida do parceiro, à adoção de um mesmo sobrenome, a acompanhamento hospitalar, dentre outros. Em alguns casos, o casal tem o direito à adoção conjunta, como na Suécia (WIKIPEDIA, THE FREE ENCYCLOPEDIA. Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2006).

As parcerias domésticas, entretanto, são um pouco diferentes das parcerias civis. Trata-se de uma situação de fato, de vida em comum, de convivência more uxorio, estando ausentes quaisquer formas de oficialização do laço conjugal, embora seja facultada a utilização de Acordos de Parceria Doméstica, com o fim de regular relações pessoais e patrimoniais nos moldes do casamento. Para configurá-las, o casal que não dispuser de um Acordo de Parceria Doméstica precisa provar judicialmente a estabilidade e a durabilidade da convivência.

Autores apontam que, na Europa, embora a opção pela união livre talvez não se submeta nem mesmo aos pactos registrados, justamente porque tais casais de fato pretendem-se livres de amarras jurídicas explícitas, tais pactos têm obtido larga aceitação pelos casais homossexuais (GLANZ, 2005, p. 398).

A Dinamarca, já em 1989, foi o primeiro país a regulamentar a união civil entre homossexuais. Sob pressão de grupos gays militantes, os partidos socialistas propuseram um projeto de lei, que deu origem à registeret partnerskab: o registro oficial de uma união civil em que os conviventes não estivessem sujeitos aos estigmas de poder e dominação que ainda há no casamento. Eram, agora, partners: companheiros, parceiros. Tratava-se de um instituto sui generis, que atendia aos anseios da população homossexual, às voltas com problemas relacionados aos direitos habitacional e sucessório. O modelo dinamarquês, aos poucos, foi se difundindo por outros países da Europa (MATOS, 2004, p. 90 – 95).

A Espanha, antes de permitir o casamento homossexual, também regulamentou a união civil na região da Catalunha, através da Llei 10/98, de 15 de juliol, d´unions estables de parella.Aplicando-se-lhes as mesmas restrições que vigoram para o enlace matrimonial, a Catalunha permitiu o registro de uniões civis, e o fez independentemente da orientação sexual do casal. A lei, que estende efeitos patrimoniais até mesmo àqueles casais que optarem por manter o statusde fato de sua relação, trouxe notáveis disposições quanto ao direito sucessório:

Artículo 33. Extinción por defunción. En caso de defunción de uno de los miembros de la pareja cuya convivencia conste, el superviviente tiene los derechos siguientes: a) A la propiedad de las prendas, del mobiliario y de los utensilios que constituyen el ajuar de la vivienda común, sin computarlos, si procede, en su haber hereditario. Sin embargo, no accede a la propiedad de los bienes que consistan en joyas u objetos artísticos o históricos, y otros que tengan un valor extraordinario considerando el nivel de vida de la pareja y el patrimonio relicto, en especial los muebles de precedencia familiar, de propiedade del conviviente premuerto o en la parte que le pertenezcan. b) A residir en la vivienda común durante el año siguiente a la muerte del conviviente. Este derecho se pierde si, durante el año, el interesado contrae matrimonio o pasa a convivir maritalmente con otra persona. c) A subrogar-se si el difunto era arrendatario de la vivienda, en los términos que establezca la legislación de arrendamientos urbanos (MATOS, 2004, p. 102).

Vê-se que, semelhantemente a lei brasileira, a lei espanhola conferiu ao companheiro supérstite direito aos bens móveis que usualmente guarnecem o lar do casal, direito real de habitação durante o ano seguinte à morte do companheiro, e direito a sub-rogar-se no contrato de locação do imóvel em que residiam, se seu titular era o falecido [07]. No artigo 34 desta lei, registram-se direitos relativos à sucessão ab intestato [08]:

Artículo 34. Sucesión intestada. En caso de defunción de uno de los miembros de la pareja de la cual consta la convivencia, el supérstite tiene, en la sucesión intestada los derechos siguientes: a) En concurrencia con descendientes o ascendientes, el conviviente supérstite que no tenga medios económicos suficientes para su adecuado sustento puede ejercer una acción personal para exigir a los herederos del premuerto bienes hereditarios o su equivalencia en dinero, a elección de los herederos, hasta la cuarta parte del valor de la herencia. También puede reclamar la parte proporcional de los frutos y las rentas de la herencia percibidos desde el día de la muerte del conviviente o de su valor en dinero. b) Sin no hay descendientes ni ascendientes del premuerto, en concurrencia con colaterales de éste, dentro del segundo grado de consanguinidad o adopción, o hijos o hijas de éstos, si han premeuerto, tiene derecho a la mitad de la herencia. c) A falta de las personas indicadas en el apartado b), tiene derecho a la totalidad de la herencia (MATOS, 2004, p. 103).

O referido artigo, como se vê, em muito se aproxima da atual sucessão do cônjuge no art. 1829 do Código Civil brasileiro, e da revogada sucessão do companheiro pela lei nº 8971/94. Em concorrência com ascendentes e descendentes, o companheiro homo ou heterossexual espanhol tem direito à quarta parte da herança. Concorrendo com colaterais, leva metade do acervo hereditário. Não havendo sucessores de nenhuma destas classes, leva a totalidade da herança [09].

Segundo Semy Glanz (2005, p. 400-401), também a França, em 1999, passou a proteger a união civil, independentemente do sexo do casal. No dia 15 de novembro daquele ano, por força da lei 99.944, os casais homossexuais ou heterossexuais puderam passar a registrar contrato regulando sua convivência: estava instituído o Pacte Civil de Solidarité (PACS), que em seu preâmbulo determina: "Art. 515-1. Un pacte civil de solidarité est un contrat conclu par deux personnes physiques majeures, de sexe différent ou de même sexe, pour organiser leur vie commune" (MATOS, 2004, p. 106).

Limitado pelos requisitos e impedimentos próprios do matrimônio, o PACS deve ser requerido conjuntamente pelo casal. Depois de registrado, é oponível erga omnes, e regulamenta direitos e deveres relativos à assistência mútua, ao regime de bens, e até mesmo às hipóteses de ruptura da união.

Atualmente, as uniões civis entre homossexuais são reconhecidas de forma desigual ao redor do globo. São países que passaram a reconhecer nacionalmente a possibilidade de formação oficial de uma das espécies das same sex unions: em 1989, na Dinamarca; em 1993, na Noruega; em 1994, em Israel; em 1995, na Suécia; em 1996, na Groenlândia, na Hungria e na Islândia; em 1999, na França e na África do Sul; em 2001, na Alemanha e em Portugal; em 2002, na Inglaterra; em 2003, na Croácia; em 2004, em Luxemburgo; em 2005, na Nova Zelândia e no Reino Unido; em 2006, em Andorra, na República Tcheca e na Eslovênia; e, a partir de 2007, na Suíça (WIKIPEDIA, THE FREE ENCYCLOPEDIA. Disponível em <>. Acesso em: 04 set. 2006).

Outros países reconhecem expressamente a união civil entre casais homossexuais apenas em nível regional. Dentre eles, destacam-se: Estados Unidos, em 10 estados (1997); Argentina, em Buenos Aires e Rio Negro (2003); Austrália, na Tasmânia (2004); Itália, em dez regiões (2004); e o Brasil, no Rio Grande do Sul (2004).

No Brasil, foi o Provimento nº 06, de 17 de fevereiro de 2004, da Corregedoria-Geral de Justiça do TJ do Rio Grande do Sul que pacificou entendimento no sentido da possibilidade de registro de documentos relativos à convivência estável de duas pessoas maiores, independentemente do sexo dos conviventes (DIAS, 2006, p. 57). O dito provimento acresceu parágrafo único ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral do Rio Grande do Sul, que passou a vigorar nos seguintes termos:

Art. 215 – No Registro de Títulos e Documentos proceder-se-á ao registro:

I – dos instrumentos particulares, para a prova das obrigações convencionais de qualquer valor;

II – do penhor comum sobre coisas móveis;

III – da caução de títulos de crédito pessoal e da dívida pública federal, estadual ou municipal, ou de bolsa ao portador;

IV – do contrato de penhor de animais, não-compreendido nas disposições do art. 10 da Lei nº492, de 30-08-34;

V – do contrato de parceria agrícola ou pecuária;

VI – do mandado judicial de renovação de contrato de arrendamento;

VII – facultativamente, de quaisquer documentos, para sua conservação.

Parágrafo único. As pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou oposição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito (grifamos) (TJRS. Disponível em <>. Acesso em: 10 set. 2006).

Como se viu, não se trata, em verdade, de um casamento. Em termos jurídicos, a união civil consiste, fundamentalmente, em um contrato de parceria, normalmente baseado em lei, pelo qual duas pessoas unidas estavelmente outorgam-se reciprocamente, e de forma oficial, direitos e deveres similares aos do casamento, inclusive os sucessórios [10]. É bom frisar que, em alguns países, o contrato de união civil pode também ser manejado por casais heterossexuais, conforme se infere do seguinte excerto:

A civil union is a legal partnership agreement between two persons. They are typically created for same-sex couples with the purpose of granting them benefits that are found in marriage. Some jurisdictions, however, also allow entry by opposite-sex couples. Unions that are similar to or synonymous with civil unions include civil partnerships, registered partnerships, and domestic partnerships. Some jurisdictions, such as the United Kingdom, have unions that on the paper are similar to marriage, while some only allow minimal reciprocal benefits (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em
. Acesso em: 03 set. 2006).

As uniões civis, entretanto, podem também ser reconhecidas judicialmente, caso não haja uma maneira oficial de estabelecê-las por meio de contrato. È o que tem ocorrido com as parcerias domésticas (domestic partnership), nas quais a convivência more uxoriotem sido reconhecida pelos tribunais a fim de se assegurarem direitos patrimoniais sobre o acervo de bens amealhado pelo casal.

Some jurisdictions established domestic partnership relations by statute rather through judicial decisions. One of the purposes of domestic partnership relation is to recognize the contribution of one partner to the property of the other. In the common law, devices such as the constructive trust are available to protect spouses in legal or common-law marriages. In civil law jurisdictions, such trusts are generally not available, prompting courts to find alternative ways to protect the partner who contributes to the other''s property (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em <>. Acesso em: 04 set. 2006).

Neste sentido, até mesmo o Brasil enquadra-se no rol dos países mais avançados na tutela dos direitos dos casais homossexuais, como bem o tem demonstrado a jurisprudência mais recente dos tribunais pátrios, com destaque para o TJ do Rio Grande do Sul, conforme já demonstrado.


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4 – Conclusão

Neste ponto, cabe apontar, no Brasil, uma importante medida protetiva dos direitos de casais binacionais estáveis não unidos pelo casamento. Se não houve o casamento, mas configura-se união estável, o Conselho Nacional de Imigração, através da Resolução Administrativa nº 05, de 03 de dezembro de 2003, garante aos companheiros unidos estavelmente, sem distinção de sexo, o direito ao visto de permanência.

Como se vê, a Resolução Administrativa nº 05/03 do CNI, se comparada à Resolução 36/99 do mesmo órgão, mostra-se mais consentânea com a realidade das sociedades globais, em que as uniões homossexuais são cada vez mais explícitas e com grande possibilidade de envolver pessoas de diferentes nacionalidades. A abrangência da proteção normativa a casais homo ou heterossexuais, neste caso, representa mais um importante passo na concretização do Estado Democrático de Direito constitucional, vez que não questiona sexo nem orientação sexual para deferir direito ao visto de permanência.

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