terça-feira, 12 de agosto de 2008

Gay vota (deve votar) em gay?


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12/08/2008:

A cada dois anos, temos eleição no Brasil. E, a cada dois anos, entre as/os ativistas LGBT, acontece um debate. Devemos todas/os votar em candidatos que dividam conosco a característica de não serem heterossexuais ou não viverem em conformidade com o padrão de gênero dominante? Ou o melhor é que votemos em mulheres e homens, de diversos partidos, que tenham compromisso com uma sociedade onde prevaleça a livre orientação sexual e identidade de gênero?

Embora seja uma reflexão pertinente, é impossível deixar de anotar que outros movimentos de minoria já superaram esses dilemas. No geral, há uma confluência entre a agenda político-ideológica e os temas específicos de cada setor oprimido.

Afinal, não faz nenhum sentido que um eleitor negro que se identifique com idéias à esquerda (como a necessidade de mais Estado e menos mercado ou a necessidade de democratização dos mecanismos de governança) venha a votar em algum negro que milite no DEM, por exemplo.

Da mesma maneira, um gay liberal, que protesta contra a excessiva carga tributária (que inibiria o empreendedorismo e tolheria o desenvolvimento capitalista no Brasil) não tem nenhuma razão objetiva para votar num militante gay do PSOL ou do PT, que propaga idéias que estão em outro campo ideológico.

Voto e ideologia

Embora vários setores insistam na tese de que o voto no Brasil é extremamente des-ideologizado, há estudos e pesquisas importantes que mostram a influência concreta das visões de mundo diferentes e da tradicional divisão (direita-centro-esquerda) nas opções de voto.

Não poderia ser diferente nos movimentos sociais e nos espaços organizados da sociedade civil. Ali, onde se defrontam militantes experimentados, acostumados a discutir legislação, direitos e políticas públicas, não se poderia esperar definições de voto que passassem apenas pelo crivo da identificação imediata da orientação sexual e/ou identidade de gênero. Isso seria de um primarismo que não condiz com o grau de organização de movimentos - como o LGBT, por exemplo.

É justamente nos setores organizados do movimento social que a opção ideológica e partidária se manifesta com mais força e é ela, que, em última instância, vai definir as opções de voto. Isso é assim nos movimentos tradicionais de esquerda como o sindical, agrário ou estudantil, bem como nos movimentos feministas, anti-racistas e até no movimento LGBT.

Ora, todos sabem que os movimentos sociais tendem a ser hegemonizados por visões transformadoras da sociedade, e, portanto, tendem a encontrar seu leito "natural" nos partidos de esquerda e centro-esquerda.

No caso do movimento LGBT, há uma hierarquia clara entre os partidos de esquerda e centro-esquerda, que, historicamente levaram essas questões para o parlamento e para os governos: PT, PCdoB, PV, PSOL, PSB, PSTU são as siglas que têm o maior acúmulo e mais ações direcionadas à cidadania LGBT.

Voto com classe, ideologia, raça, orientação sexual...

Pressupondo, então, que a maioria das/os ativistas LGBT se encontram no campo da esquerda (da extrema-esquerda à centro-esquerda), é lógico que procurem apoiar candidatas e candidatos que estejam nos Partidos ou no Partido ao qual são filiados ou costumam apoiar.

No caso do Partido majoritário da esquerda, o PT, esse apoio ainda é permeado pela vinculação a alguma das diversas correntes internas – mais ou menos radicais.

O fato é que a maioria do movimento LGBT – assim como o movimento negro e feminista - já ultrapassou a fase inicial de identificação primária e não faz suas opções de voto lastreadas na mera correspondência entre a suas características identitárias básicas e as de seu/sua candidato/a.

Resumindo: não basta ser gay, é preciso ser de um Partido (corrente) com o qual me identifico e que tenha currículo, histórico, militância. Não basta ser lésbica: tem que ter trajetória e articulação naquela campo político-ideológico com o qual as ativistas lésbicas se identifiquem majoritariamente.

Neste sentido, o voto é (e deve ser) permeado pelas grandes questões político-ideológicas (visão de mundo) e não por questões que, por mais que sejam importantes, não são as definidoras das macro-diretrizes de atuação do/a futuro parlamentar ou gestor público.

São velhas as armadilhas do voto identitário: em quem deveria votar uma mulher socialista, negra, lésbica e deficiente, da periferia, se as opções fossem: um homem gay negro; uma mulher hetero deficiente; uma lésbica rica branca; uma mulher hetero branca; uma lésbica negra de direita; uma mulher branca socialista deficiente; um homem negro deficiente da periferia? As opções são inúmeras, podemos combinar à vontade!

Esse não é um bom caminho.



A plataforma, antes de tudo

A guisa de conclusão: antes de tudo, o programa político e a plataforma. O partido, a história do candidato e seus compromissos.

Eleitora/os conscientes combinam todos esses critérios para definir seu apoio e seu voto. Não adianta, que uma eleitora do PSOL, mesmo lésbica, não vai votar num gay do DEM, mesmo que seja a única opção LGBT da cidade.

E, está claro, mais importante do que identidades básicas é ter compromisso. Ou seja, não basta se negro/a, é preciso ser militante anti-racista. Não basta ser mulher, tem que ser feminista. Não basta ser LGBT, tem que ser militante contra homofobia.

E, não basta ser isso tudo e não combinar com nossa ideologia. Portanto, é importante que o movimento LGBT se empodere como um todo, procurando os espaços dos diversos Partidos.

Como disse a deputada Cida Diogo na I Conferência LGBT: "os evangélicos estão tomando conta dos partidos". Vamos, nós, também, movimento LGBT, galgar espaços partidários e eleger pessoas LGBT ou ALIADAS, que tenham plataformas condizentes com nosso movimento.

E, uma nota final: embora a hegemonia da esquerda seja inegável, o movimento LGBT tem um setor de direita que se organiza e está cada vez mais forte. Bem-vindas/os, então, as LGBT do PSDB e DEM. Que afinal, direitos civis não são pauta exclusiva dos socialistas. Os liberais também podem – e devem - , se comprometer com a igualdade de direitos entre os homo e heterossexuais.

Que os militantes e simpatizantes do DEM e PSDB se organizem e levem essa discussão para dentro de seus partidos. E apóiem (como já estão apoiando) candidatos (LGBT ou não), que tenham uma plataforma que nos visibilize e nos garanta direitos.

Portanto, o debate é muito mais complexo do que a hilária consigna "LGBT vota em LGBT". Aliás, é importante assinalar que a maioria do movimento já percebeu isso.

Julian Rodrigues

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