quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Eu e minha alma


Por Yekhezel and my soul*




Agora que meus sentidos são como um cais sem ondas, onde se silencia a tempestade dos dias, posso voltar meus olhos para o passado, e nu de minhas dores posso vomitar as lembranças cruas, de tortuosas memórias onde vaguei por alguns anos a fio, buscando a temperança e a firmeza para meus passos.

Aqui onde me debruço sobre o ventre das horas, que grávidas de esquecimento se estendem como brumas, que paulatinamente vou rompendo, sinto uma mão que me toca, e distingo em seu cheiro as de meu parceiro, que toma das minhas e me ajuda a seguir a travessia... Mas aqui tenho que deixá-lo... Deixar o presente, para mais uma vez ver um Titã que dobrei a meus pés.

Entre meus 15 e 16 anos compartilhei meus ideais com meu primeiro parceiro, compartilhei meu afeto e força; mas ele não se preservava, tampouco buscava ter força para isso, era uma mente inerte diante dos pensamentos que ela própria paria, não julgava como certo o parar, antes almejava roçar suas mão no vento como se fosse carne, não se impunha limites firmes, e tampouco sabia o que era ter firmeza no que sentia.

Meus pais descobriram, pela boca de vizinhos. Não que o próprio filho era gay ou coisa do tipo, mas que o “filinho” criado para não pensar fora da sombra dos credos que regiam a família, havia se perdido, freqüentando a casa de um viado.

Tive um embate dentro de casa, falei sobre mim, até para preservar meu parceiro de uma agressão por parte de meu pai, e este ameaçou sair de casa acaso eu permanecesse na família, minha mãe não discordou e nem concordou, apoiada em todas as suas virtudes teologais, apenas disse que intercederia para que nada de mais ocorresse... Mas que eu soubesse: - que o destino de um homem que fica com outro é morrer seco em uma cama!

Sim... Poucos dias depois, não suportando o peso da situação, acordei num dia e não senti equilíbrio nas minhas pernas, meu organismo durante uns 15 dias manifestou a prisão em que minha alma se via e a rejeição de “fora” se mostrava interinamente, meu corpo renegava alimento, e minha voz se eclipsava incompreensível.

Para um rapaz de seu quinze anos a situação foi um baque, vendo o estado em que me encontrava minha razão se debatia sem encontrar amparo, que me esclarecesse o que ocorria. Passei por quatro médicos a princípio; várias medicações eu tomei, mas não era o corpo em si que adoecia, e que talvez morresse, mas a mente conturbada pela repressão fugia para a doença, explicação esta que encontrei tempos depois num livro de Freud... O Caso Dora.

Somente o quinto médico conseguiu ver o que ocorria...

“- O problema é de origem psicológica...” Ele conversou comigo, não sondou sobre sexualidade ou não, a situação nem permitia perder tempo com especulações, procurou ser o mais preciso possível para ver como amansar meu ser tenso, sem repouso, e verificadas algumas possíveis fontes do problema, me passou alguns anti-depressivos, umas vitaminas para meu corpo voltar assimilar alimento, e disse que eu estava vendo com ele o que deveria trabalhar de agora em diante, e que eu só não me recuperava se não quisesse.Ele recomendou a minha família quer buscasse para mim acompanhamento psicológico, o obtive através de uma grande pessoa (que faleceu recentemente), e com o início do tratamento comecei a pisar este Titã que me ruminava.
Se por quinze dias a luta parecia perdida, consegui forças para reagir, e dentro de uma semana depois começava a “voltar à vida”, não sem nenhum esforço, tive por vezes que tirar algumas horas para sair sozinho até a rua, para procurar caminhar ainda que a passos um tanto trôpegos sem amparo de outras forças que não as minhas.
Passada a tormenta, a ressaca dos fatos me agrediu novamente, encontrei com meu parceiro e vi que ao contrário da força que esperei obter, ele tirou o corpo fora, mesmo depois de saber que eu havia me exposto para defendê-lo, e eu que reaprendi a me dar valor me afastei de tal morta presença.
Mas não foi fácil arrancá-lo da estrada. Mas tive que pisar sua sombra, junto com meus medos, para encontrar luzes que me conduzissem ao equilíbrio. Passaram se alguns anos eu reencontrei alguém que veio a se tornar logo depois um guia para que eu me afirmasse no que acreditava sobre mim mesmo, sobre o que sentia, mas escondo seu nome por amor (risos). Estou com esta pessoa já há quase quatro anos, e se hoje tenho coragem de gritar o amor que muitos já deixaram de querer dizer seu nome, devido ao preconceito, e a hipocrisia de muitos é porque encontrei em seus sentimentos suporte para minha verdade, e aqui me tenho como Ganimedes fui arrebatado da terra, o amor dele me furtou de toda vergonha de buscar minha felicidade, e em nome do que nos une é que não mais silencio, para que um dia possamos ser respeitados em nossos direitos de modo pleno, para que tantos outros que como eu vivem tenham seus direitos postos para valer. E espero obter da vida a dádiva de ser respeitado por minha família, sem que ela queira fechar os olhos para o óbvio, que o que sinto não me faz indigno como se estivesse com a mais nefasta lepra na moral e na alma; que o que penso apesar de diferente deles não me faz menos homem, que o que acredito não é em vão, pois me faz feliz...
E que, acima de tudo, não estou doente
Para que me esperem ver como “curado” do que realmente sou.

*estudante do curso de História da UFPI e organizador deste blog

vídeo:
"O Chamado" (Marina Lima)

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