sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A proteção da união homossexual no direito internacional


disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10266

Por: Fábio de Oliveira Vargas
advogado, mestre em Direito e Globalização pela UNINCOR/MG, professor de Direito Civil.



1 – Introdução

Como preleciona Maria Berenice Dias, os países podem ser classificados em três grandes grupos quanto ao tratamento jurídico deferido ao comportamento homossexual, em seus variados aspectos. Neste sentido, há os países repressores, que ainda criminalizam e punem duramente a conduta homossexual; os indiferentes, que, embora não punam, tampouco implementam medidas favoráveis à causa; e os avançados, que adotam deliberadamente ações afirmativas, conquanto em graus distintos, para a promoção de direitos relativos à população homossexual (DIAS apud FERNANDES, 2004, p. 116).

Neste sentido, passa-se agora a analisar os principais avanços e mecanismos jurídicos que estão sendo adotados ao redor do globo no sentido de implementar a cidadania desta parcela vulnerável da população. Independentemente da cultura ou do grau de desenvolvimento econômico ou tecnológico de um povo, nele existirão homossexuais. E em praticamente todos os povos, em maior ou menor escala, essa parcela da população tem direitos negados em função de sua orientação sexual.

Como se verá, os países caminham gradualmente para o reconhecimento de efeitos jurídicos e para a tutela das uniões homossexuais, indo desde a negativa de direitos – passando pela viabilização de mecanismos de registro de uniões estáveis – até a própria permissão para o casamento, o que só acontece, até a conclusão deste trabalho, na Holanda, na Bélgica, na Espanha, no Canadá, na África do Sul e no estado norte-americano de Massachusetts.

A análise que se faz neste capítulo justifica-se por trazer à baila os avanços que tem sido perpetrados pelo mundo afora, a fim de arejar a discussão no Brasil e, porventura, oferecer subsídios para que o país possa dar melhores soluções à problemática dos direitos oriundos da união homoafetiva.

Isso porque as afinidades do Direito de Família no Ocidente são tão evidentes, que alguns autores já ousam propor uma unificação deste ramo do Direito nos países capitalistas industrializados. Neste particular, a observação da evolução dos direitos conferidos aos homossexuais no plano internacional pode oferecer valiosos parâmetros para a implementação desta proteção também em nosso país.

[...] dos anos 1960 para cá, nos países ocidentais, houve uma verdadeira revolução, para eles "um tornado que sopra de todos os horizontes, do Leste, quando era socialista, do Norte, países escandinavos e do Oeste, países anglo-saxões" que abalou a sociedade francesa tradicional. Assim, dizem, rebaixou o marido, igualou a mulher e os filhos, desestabilizou o casamento. Observam que não é fenômeno apenas da França, mas dos países industrializados e dizem que hoje poderia haver a unificação do direito de família, ao menos para os países ocidentais. Já a unificação do direito das obrigações fica para depois (MALAURIE E AYNÉS apud GLANZ, 2005, p. 27).

A revolução por que tem passado a família, a partir da década de 60, tem trazido conseqüências semelhantes na Europa e nas Américas, de modo a indicar que seria natural e desejável que as conquistas perpetradas por um povo, no campo do Direito Familiar, fossem assimiladas pelos demais, obviamente, adequando-se as mudanças a cada realidade regional.


--------------------------------------------------------------------------------

2 - O casamento entre pessoas do mesmo sexo: the same sex marriage

Poucos países ocidentais, cultores do direito à liberdade e à diferença, ousaram normatizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Oficializando sua união perante o Estado, estes países dão um corajoso passo à frente e passam a permitir a tutela de direitos em função do laço matrimonial, tornando obsoleta e desnecessária a chicana processual probatória da união estável ou do esforço comum para a garantia de alguns direitos.

Ao redor do mundo, vale ressaltar, tal casamento tem recebido diferentes denominações:

Same-sex marriage is the union of two people who are of the same biological sex, or gender. Other, less common, terms include "gender-neutral marriage", "equal marriage", "gay marriage", "lesbian marriage," "homosexual marriage", "same-gender marriage", or simply "marriage" (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em
. Acesso em: 03 set. 2006).

Beto Jesus, do Instituto Edson Neris, em artigo publicado no site Mix Brasil, elenca os países que protegem o matrimônio entre homossexuais. Nestes países, o ordenamento jurídico confere ao casal homossexual, através do casamento, direitos praticamente idênticos aos dos casais heterossexuais. Dentre eles, destacam-se:

A Espanhaé desde segunda-feira, 4/7, o terceiro país, depois da Holanda e Bélgica, que autoriza o matrimonio entre homossexuais. Uma lei similar no Canadá já foi aprovada na Câmara dos Comuns e deverá passar pelo Senado para entrar em vigor.

Holanda:em dezembro de 2002, o Senado aprovou uma lei que autoriza o matrimônio civil homossexual e o direito de casais do mesmo sexo adotar crianças, a condição é de que sejam de nacionalidade holandesa.

Bélgica:a lei que autoriza os matrimônios entre os homossexuais entrou em vigor em 1º de junho de 2003. Desde fevereiro de 2004 se aplica aos estrangeiros. Para que uma união seja válida, basta que um dos cônjuges seja belga ou resida na Bélgica. Os casais homossexuais têm os mesmo direito que os heterossexuais, especialmente em matéria de herança e de patrimônio, mas não podem adotar crianças.

Canadá: A Câmara dos Comuns de Ottawa aprovou em 28 de junho deste ano (2005) um projeto de lei que autoriza o casamento entre pessoas do mesmo sexo e lhes outorga o direito de adotar. Para que entre em vigor este texto deverá ser ratificado pelo Senado, formalidade que acontecerá antes do final de julho. Antes que se adote essa lei federal, a maioria das províncias canadenses autorizava a união entre os homossexuais.

[...]

Estados Unidos: somente um Estado, Massachusetts (noroeste dos USA), autoriza desde 2004 o casamento entre casais homossexuais. Vermount e Connecticut reconhecem as uniões civis e outorgam aos homossexuais alguns direitos similares dos casais heterossexuais. Em 2004 na Califórnia e em Oregon foram celebrados casamentos homossexuais que geraram uma viva polêmica antes de serem anulados pela Justiça (JESUS, Beto de. O casamento gay pelo mundo. Disponível em<>. Acesso em: 01 set. 2006).

A Holanda foi o primeiro país a permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que é válido desde que um dos conjugues seja holandês ou pelo menos resida no país. Em 2002, homossexuais holandeses, que já podiam registrar suas uniões civis, passaram a poder casar-se ou converter sua união em casamento. Interessante notar a extensão dos mesmos requisitos e impedimentos do casamento a essa parceria registrada. A referida lei alterou o Código Civil holandês, inserindo nele, entre outros artigos, o dispositivo 30-1:

Preamble: considering that it is desirable to open up marriage for persons of the same sex and to amend Book 1 of the Civil Code accordingly; […] E – Article 30 shall read as follows: Article 30-1. A marriage can be contracted by two persons of different or of the same sex. 2. The law only considers marriage in its civil relations (MATOS, 2004, p. 96 –97).

A Bélgica foi o segundo país a implementar o casamento entre homossexuais, em 2003, estendendo o mesmo direito a casais nacionais ou àqueles em que pelo menos um dos futuros cônjuges tenha vivido pelo menos três meses em território belga.

Em 2004, o estado norte-americano de Massachusetts legalizou a união homossexual, com base na decisão de sua Suprema Corte, que julgou inconstitucional a permissão do casamento apenas a pessoas de sexos opostos, em virtude de uma ação movida por sete casais gays contra o Departamento de Saúde Pública. A decisão, passada em 18 de novembro de 2003, ganhou força de lei 180 dias depois, passando a permissão a vigorar em todo aquele estado a partir de 17 de maio de 2004.

Em seguida, a legalização veio da Espanha, no ano de 2005. Aprovada pelas Cortes Generales, a lei do casamento homossexual entrou em vigor no dia 2 de julho daquele ano, causando polêmica sobre a possibilidade de um espanhol, nato ou residente, desposar um companheiro de outra nacionalidade. Após análise pela Junta de Fiscales de Sala, foi publicada na imprensa oficial uma regra persmissiva do casamento binacional nos seguintes termos:

a marriage between a Spaniard and a foreigner, or between foreigners of the same sex resident in Spain, shall be valid as a result of applying Spanish material law, even if the foreigner''s national legislation does not allow or recognize the validity of such marriages (WIKIPEDIA,THE FREE ENCYCLOPEDIA. Disponível em <>. Acesso em: 05 set. 2006).

No dia 20 de julho do mesmo ano, o Canadá legaliza casamento homossexual através do Civil Marriage Act, a aprovação nacional da bula C-38 (Bill C-38), proposta pelo governo liberal de Paul Martin. Assim, as uniões do mesmo sexo, que já vinham sendo judicialmente reconhecidas no nível das províncias desde 1999, foram trazidas à legalidade em todo o país.

A enciclopédia virtual Wikipedia confirma estes dados, apontando para o fato de que também a África do Sul implementará o casamento homossexual, a partir de dezembro de 2006:

In the late 1990s and early 2000s, opposing efforts to legalize or ban same-sex civil marriage made it a topic of debate all over the world. At present, same-sex marriages are recognized in the Netherlands, Belgium, Spain, Canada, and the U.S. state of Masachussetts for same-sex marriages performed within that state under its laws. On December 1, 2005, South Africa’s Constitutional Court extended marriage to include same-sex couples. The court mandated that changes go into effect by the end of 2006 (grifamos) (Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em
. Acesso em: 03 set. 2006).

Vale notar que, no ano de 2005, a Inglaterra também estendeu aos casais homossexuais o direito de oficializarem sua união perante o Estado. A lei, que foi publicada no dia 05 de dezembro daquele ano, passou por um curto período de vacatio, entrando plenamente em vigor no dia 19 do mesmo mês. Interessante frisar que a Inglaterra permite a oficialização da união binacional, desde que pelo menos um dos cônjuges tenha nacionalidade inglesa. O convivente estrangeiro, após um período de três anos, pode requerer a nacionalidade inglesa (CUSHMAN, 2005. Disponível em: . Acesso em: 04 set. 2006).

Não obstante o governo inglês insistir em afirmar que não se trata, na verdade, de um casamento, mas tão somente da possibilidade de um registro de parceria civil, o casamento gay, segundo alguns, pode ser considerado instituído na Inglaterra, em face da análise dos efeitos jurídicos desta contratação e de seu registro:

Under the Civil Partnerships Bill to be published on Wednesday, same-sex couples will be able to sign a register held by the register office in a procedure similar to a marriage. Although the Government will insist it is not officially a ''marriage'' but rather a contract between two people, the fact that couples will have to announce their intentions beforehand in a similar way to the reading of the banns before a wedding reveals its true effect. (Disponível em <>. Acesso em: 05 set. 2006).

Ronald Dworkin também manifesta-se favoravelmente à permissão de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Partindo dos pressupostos principiológicos da democracia, da dignidade da pessoa humana e da liberdade, Dworkin conclui que a proibição à formalização da união entre pessoas do mesmo sexo é inconsistente e se apóia em argumentos político- culturais altamente relativos:

The cultural argument against gay marriage is therefore inconsistent with the instincts and insight captured in the shared idea of human dignity. The argument supposes that the culture that shapes our values is the property only of some of us – those who happen to enjoy political power for the moment – to sculpt an protect in the shape they admire. That is a deep mistake: in a genuinely free society the world of ideas and values belongs to no one and to everyone. Who will argue – not just declare – that I am wrong? (DWORKIN, 2006. p. 7).

No Brasil, não se pode realizar o casamento de pessoas do mesmo sexo, mesmo se os nubentes forem ambos oriundos de país onde já se permita o casamento homossexual. Isso porque, além de o art. 1514 do CC definir a diversidade de sexos como requisito fático inarredável para a própria existência deste negócio jurídico, a Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto lei nº 4.657/42, ou LICC) determina que aos casamentos realizados em nosso país aplique-se a lei brasileira relativa aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração. [01]

Questiona-se, entretanto, se o casamento homossexual poderia ser realizado pelos consulados daqueles países onde já se permite essa celebração. A resposta poderia, em princípio, ser positiva, desde que ambos os nubentes fossem da mesma nacionalidade [02], caso contrário, tal casamento resultaria nulo, por ofensa à soberania brasileira. Doutrinando sobre o casamento consular celebrado no Brasil, Nadia de Araújo preleciona:

A possibilidade da realização de um casamento, segundo leis estrangeiras, remonta à ficção da extraterritorialidade das repartições diplomáticas, teoria concebida por Hugo Grotius no século XVII, mas abandonada no século XIX. Esta ficção de extraterritorialidade permanece no casamento consular, ao permitir-se, como única exceção à norma geral da lex loci celebrationis sua realização aqui segundo as leis de outro Estado (grifamos) (ARAUJO, 2006, p. 406).

Este casamento, para ter eficácia no Brasil, deveria ser levado a registro no Cartório de Títulos e Documentos, conforme art. 129, §6º, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) [03]. Não obstante, nem mesmo os consulados podem realizar o casamento homossexual, ainda que os nubentes sejam da mesma nacionalidade. Isto porque, a Convenção de Viena sobre Relações Consulares, da qual é signatário o Brasil, aqui promulgada pelo Decreto nº 61.078, de 26 de julho de 1967, determina que os consulados, em sua função notarial e registral, respeitem a lei do país receptor [04]. Por conseguinte, os consulados e as autoridades diplomáticas destes países, como a Bélgica ou a Espanha, não estão aptos a realizar o casamento de homossexuais em nosso país.

Nessa toada, não é demais lembrar que, pelo princípio internacional da Reunião Familiar [05], é direito da família viver em união, numa mesma pátria e sob um mesmo teto, independentemente da orientação sexual de seus membros. Nesses termos, o Conselho Nacional de Imigração (CNI) concede ao casal binacional em que um dos cônjuges seja brasileiro o visto de permanência no Brasil para o cônjuge de outra nacionalidade, desde que façam prova de seu matrimônio. Em Resolução Normativa de nº 36, datada de 28 de setembro de 1999, o CNI determina os requisitos para a concessão do visto permanente a estrangeiro [06].

Parece-nos que não deve haver óbice algum em estender o alcance desta resolução aos homossexuais casados no exterior, desde que um dos cônjuges seja brasileiro. Conforme se estudará mais à frente, se o visto de permanência, por força da Resolução n. 05/03 do CNI, pode ser conferido a casais homossexuais que comprovem tão somente a estabilidade de sua união, com muito mais razão deve tal visto ser franqueado aos casais que fizerem prova do matrimônio. Negar o visto de permanência, nestes termos, seria uma afronta aos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

Nenhum comentário: