Por Yekhezel and my soul*
Desfolha-se sobre mim uma sensação antiga, de quando pensei que ser eu mesmo era uma tarefa de Ícaro, e que assim como ele acabaria por cair no logro de ter meio e força para voar ao céu, e que na verdade minhas asas eram de cera, as quais não tarde Apolo feriria com suas setas áureas.
Desfolha-se sobre minha memória a tênue e fria face, do que acreditei não poder vencer, e que no presente tempo observo sua anatomia de ciclope derrotado. E muitos hoje me tratam como sendo alguém de coragem, mas o que eles chamam de coragem, para mim, nada mais é do que uma extensão da franqueza com a qual procuro tratar com o que sinto. Assumir a própria homossexualidade não é simples, tampouco quando se vem de uma formação religiosa hermética como a minha materna, tive que buscar um caminho para ressignificar o que é a fé.
Sinto em minha vida que nós homens tão acostumados a levantar, derrubar bandeiras e fronteiras entre nós mesmos e os outros, acabamos por transplantar esse ritmo vicioso para a nossa construção do pensamento religioso, e nos deixamos apartar do gérmen sobre o qual se consolidou a busca do sagrado, que nada mais foi que a sede de compreendê-lo e de nos aproximarmos dele.
Há um ícone mariano que sempre me põe a meditar sobre esses elos de união, onde vemos retratada a figura de Cristo menino nos braços de sua mãe, sua face exprime tensão e busca de refúgio, pois se vê diante dos sinais de sua morte próxima, ele agarra a mão dela com vigor, e uma de suas sandálias jaz pendente de seu pé, com somente uma tênue tira da suas amarras ainda presa a ele... Significando o quão frágil, porém persistente é nossa ligação com Ele.
Tive que buscar novas forças para redescobrir esta “amarra da sandália”, muitos me levaram a crer que eu já estava condenado, que minha atitude de demonstrar afeto pela minha companhia(que no caso é de meu mesmo sexo), era seguir de modo contrário ao que era pregado, ao que era dogmatizado pelo cristianismo. Mas, o que são as palavras impressas como sendo as Dele quando são tomadas para apartar e não para reunir? São como sinos dispersos a dobrarem no deserto, não possuem serventia, pois ainda que alguém os escute, o caminho que mostram é refratado em silêncios de verdades dispensáveis, parciais. Esquecem da justiça Dele, e levantam seus tratados entre os homens com a ânsia de quem vem para separá-los em rebanhos, como se detivessem autoridade inquestionavelmente constituída para isso.
Religião, “religare”, re-ligar...
Não vale a pena buscar martírio para defender o que sangra os marcos antigos das instituições religiosas, que são constituições humanas através das quais buscamos nós sentir esse insondável e ao mesmo tempo próximo ser, que compreendemos como origem, não há porque se lutar em nome daquilo que em nome desta ou daquela crença é levado ao conhecimento profano (no sentido original do termo: “fora do templo”), por pessoas que apoiadas neste ou naquele versículo, nesta ou naquela interpretação teológica são capazes de gerar uma postura de rejeição ao diferente, como numa Jihad, guerra-santa, pós-moderna. Antes se denegria a dignidade humana dos negros escravos, reduzindo-os a reles condição de objetos comerciáveis, baseando-se em interpretações infundadas de que os mesmos não tinham alma, logo não foram eles agraciados por Deus com a humanidade, o que tornava qualquer tratamento dispensado com eles justificável.
Não buscavam compreende-los como homens iguais a eles, capazes de sentir desde o gozo, da alegria até a dor e pranto como eles “os brancos” também sentiam. È fácil se permitir ir até o rótulo, cuspir em quem o detém, mas é demasiado esforço procurar compreender o diferente como também uma pessoa, com dignidade, com direitos, que assim como nós “os outros” de sua vida e convivência social possuem.
Religião... “Religare”... Re-ligar...
Quando o homem se redescobrir dentro do que o levou a seguir seus elos de união com o sagrado, talvez pelo menos no campo que cotidianamente tem se convertido em um campo de batalha para as minorias sociais, que é o religioso, não existam mais “os escolhidos” e os que devem ser tratados como “escória”, os “intocáveis”.
O homem que procura estender os olhos de seu entendimento aos céus, mas acaba por tornar do que era para congregar em torno Daquele que, acolhia sem distinção e usava de justiça igualitária e viva a quem o buscava os homens, seus irmãos, uma arma de separação e exclusão porque este indivíduo, ou aquele grupo específico, nada na maré contrária ao que para ele é verdade “santa e irrefutável”, possui os olhos de sua alma instintos. E como poderá um cego gritar que sabe o que é a luz?
* Estudante do curso de História na UFPI e organizador deste blog.
Desfolha-se sobre minha memória a tênue e fria face, do que acreditei não poder vencer, e que no presente tempo observo sua anatomia de ciclope derrotado. E muitos hoje me tratam como sendo alguém de coragem, mas o que eles chamam de coragem, para mim, nada mais é do que uma extensão da franqueza com a qual procuro tratar com o que sinto. Assumir a própria homossexualidade não é simples, tampouco quando se vem de uma formação religiosa hermética como a minha materna, tive que buscar um caminho para ressignificar o que é a fé.
Sinto em minha vida que nós homens tão acostumados a levantar, derrubar bandeiras e fronteiras entre nós mesmos e os outros, acabamos por transplantar esse ritmo vicioso para a nossa construção do pensamento religioso, e nos deixamos apartar do gérmen sobre o qual se consolidou a busca do sagrado, que nada mais foi que a sede de compreendê-lo e de nos aproximarmos dele.
Há um ícone mariano que sempre me põe a meditar sobre esses elos de união, onde vemos retratada a figura de Cristo menino nos braços de sua mãe, sua face exprime tensão e busca de refúgio, pois se vê diante dos sinais de sua morte próxima, ele agarra a mão dela com vigor, e uma de suas sandálias jaz pendente de seu pé, com somente uma tênue tira da suas amarras ainda presa a ele... Significando o quão frágil, porém persistente é nossa ligação com Ele.
Tive que buscar novas forças para redescobrir esta “amarra da sandália”, muitos me levaram a crer que eu já estava condenado, que minha atitude de demonstrar afeto pela minha companhia(que no caso é de meu mesmo sexo), era seguir de modo contrário ao que era pregado, ao que era dogmatizado pelo cristianismo. Mas, o que são as palavras impressas como sendo as Dele quando são tomadas para apartar e não para reunir? São como sinos dispersos a dobrarem no deserto, não possuem serventia, pois ainda que alguém os escute, o caminho que mostram é refratado em silêncios de verdades dispensáveis, parciais. Esquecem da justiça Dele, e levantam seus tratados entre os homens com a ânsia de quem vem para separá-los em rebanhos, como se detivessem autoridade inquestionavelmente constituída para isso.
Religião, “religare”, re-ligar...
Não vale a pena buscar martírio para defender o que sangra os marcos antigos das instituições religiosas, que são constituições humanas através das quais buscamos nós sentir esse insondável e ao mesmo tempo próximo ser, que compreendemos como origem, não há porque se lutar em nome daquilo que em nome desta ou daquela crença é levado ao conhecimento profano (no sentido original do termo: “fora do templo”), por pessoas que apoiadas neste ou naquele versículo, nesta ou naquela interpretação teológica são capazes de gerar uma postura de rejeição ao diferente, como numa Jihad, guerra-santa, pós-moderna. Antes se denegria a dignidade humana dos negros escravos, reduzindo-os a reles condição de objetos comerciáveis, baseando-se em interpretações infundadas de que os mesmos não tinham alma, logo não foram eles agraciados por Deus com a humanidade, o que tornava qualquer tratamento dispensado com eles justificável.
Não buscavam compreende-los como homens iguais a eles, capazes de sentir desde o gozo, da alegria até a dor e pranto como eles “os brancos” também sentiam. È fácil se permitir ir até o rótulo, cuspir em quem o detém, mas é demasiado esforço procurar compreender o diferente como também uma pessoa, com dignidade, com direitos, que assim como nós “os outros” de sua vida e convivência social possuem.
Religião... “Religare”... Re-ligar...
Quando o homem se redescobrir dentro do que o levou a seguir seus elos de união com o sagrado, talvez pelo menos no campo que cotidianamente tem se convertido em um campo de batalha para as minorias sociais, que é o religioso, não existam mais “os escolhidos” e os que devem ser tratados como “escória”, os “intocáveis”.
O homem que procura estender os olhos de seu entendimento aos céus, mas acaba por tornar do que era para congregar em torno Daquele que, acolhia sem distinção e usava de justiça igualitária e viva a quem o buscava os homens, seus irmãos, uma arma de separação e exclusão porque este indivíduo, ou aquele grupo específico, nada na maré contrária ao que para ele é verdade “santa e irrefutável”, possui os olhos de sua alma instintos. E como poderá um cego gritar que sabe o que é a luz?
* Estudante do curso de História na UFPI e organizador deste blog.
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