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Por William Magalhães 1/7/2009 - 12:01
Manhã de quarta-feira, 10 de junho de 2009, Rio de Janeiro, Uerj. Um encontro que antecedeu o XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA) reúne os principais pesquisadores sobre movimento social e sexualidade do país.
O evento, idealizado para debater a trajetória do movimento LGBT e a pesquisa em sexualidade, teve coordenação do CLAM - Centro Latino Americano de Sexualidade e Direitos Humanos - e contou, na mesa de abertura, com a participação de Peter Fry, James Green, Richard Parker e Regina Facchini em debate mediado pelo antropólogo Sergio Carrara.
O primeiro a falar foi Peter Fry. Autor, junto com Edward McRae, do livro "O que é homossexualidade", contou sobre sua chegada ao país na década de 60. Sua primeira percepção foi a de um Brasil machista, mas de certa forma liberal com "meninas que usavam decotes". "Senti alívio por sair de um país que, naquela época, punia os homossexuais", afirmou o inglês.
Fry, que também é autor de "Para inglês ver: Política e identidade no Brasil....", falou sobre o começo de seu interesse em fazer política e, em especial, política sexual. Ele conta que participou de um congresso na Associação de Antropologia Mexicana e lá percebeu uma "batalha entre as pessoas da razão prática e do simbolismo".
"No início do movimento homossexual havia um autoritarismo. Alguns diziam que os michês tinham que ser informados sobre suas verdadeiras identidades", disse o professor recém-aposentado da UFRJ. Fry lembrou de um artigo chamado "Ser ou estar homossexual", que escreveu para o jornal Lampião da Esquina baseado na fala de um ministro que declarara que estava, e, não era, ministro. Peter lamentou o fato de não ter colaborado tanto quanto gostaria para o tabloide e comentou não ter tão fechado o conceito de identidade sexual.
Posição esta que levou a alguns desentendimentos com seu amigo Luiz Mott. Fry também rasgou-se de elogios para o movimento LGBT que viu florescer. "Estou em dívida com o movimento. Se hoje me sinto confortável é por causa do movimento que eu não participei". O discurso de Peter tinha uma conclusão. A de que a vida possui muitos caminhos [o da militância, o da academia, entre outros] e eles se cruzam, como em eventos no qual participava.
Divisões e partidarismo
O historiador James Green (na foto, com a mão no rosto ao lado de Carrara) falou em seguida. Lembrou que já era militante desde 1973, quando ainda morava nos Estados Unidos e era um "feminista convicto". Sua entrada no Somos aconteceu em setembro de 1978. Como era ativista, Green acreditava que o movimento podia, sim, se tornar próximo da política, em especial da esquerda da época.
Como se sabe, essa divisão nos pontos de vista acabou gerando um racha no Somos. Green falou a respeito. Disse que João Silvério Trevisan, que participou da fundação do primeiro grupo ativista do país era uma das poucas pessoas que, tendo vivenciado experiências no movimento gay americano, tinha uma visão do que poderia acontecer com o movimento, no sentido de que rumos tomaria e como se fortaleceria. "No começo o movimento tinha uma falta de pessoas que podiam imaginar perspectivas". Green fala do escritor paulistano em outro momento, quando diz que "o Trevisan, já naquela época era cético em relação à esquerda e era contra o que chamavam e arregimentação".
Green cita uma ideia pré-matura naquela época da criação de uma entidade nacional que agregasse todas as outras, papel hoje cumprido pela ABGLT. Ele falou também um pouco sobre como era o diálogo com a esquerda da época. "Não acreditavam em gays na classe operária". para o historiador, naquela época ninguém "imaginaria o [hoje presidente] Lula, abrindo a Conferência Nacional LGBT, apesar das limitações dele".
O professor de história da Brown University classificou o movimento brasileiro como o "mais importante que existe no mundo". Afirmou ser "fundamental" a articulação da militância com membros da academia e falou sobre seu próximo projeto, a biografia do ativista Hebert Daniel, falecido em decorrência de Aids no início da década de 90.
Por fim, ele sugeriu para que as pessoas que possuam materiais sobre a história do movimento LGBT doem à Unicamp. "Para que tenhamos pelos menos um lugar no país que tenha documentos dessa história".
Divisão em três momentos
O antropólogo Richard Parker, que tem amplo trabalho de pesquisa em HIV/Aids apontou que "falta pensar na articulação do movimento coma militância que atua em prevenção de HIV/Aids". Pensando nisso, ele faz uma divisão da história em três fases: 84 a 92 é o movimento heróico; de 92 a 97 quando acontece o acesso aos medicamentos antiretrovirais; e de 97 até hoje.
Parker então situa o primeiro momento como o de dupla ação. Ocorre desarticulação do movimento homossexual por causa da morte de lideranças em decorrência da Aids. Em contrapartida, outros ativistas passam a investir seus esforços na questão da prevenção. Aí também se dá um conflito entre os ativistas e o Estado, por conta de campanhas terroristas promovidas pelo Programa Nacional DST/Aids.
O segundo momento então, a partir do início dos anos 90, é marcado pela entrada de militantes no governo, ainda que como funcionários do segundo escalão. Nessa época acontece também uma "agitação cultural em torno da questão homo", conceitua Parker, como o surgimento do festival Mix Brasil. É também a partir daí que o movimento passa a receber verbas governamentais para o combate à Aids e começa a ter suas fontes de renda. Parker crítica esse modo de "sustento" apontando ganhas e perdas nesse financiamento.
A partir de 1997, que marca o terceiro período, até os dias de hoje é quando a epidemia se estabiliza, mas não entre a população gay. É nessa fase que o estado começa a incorporar as questões de Direitos Humanos e uma mudança "estranha e surpreendente" passa a acontecer com o surgimento das questões dos direitos sexuais.
A última fala, da antropóloga Regina Facchini, foi permeada por um tom mais pessoal e focou bastante a questão da academia. A ativista falou que há cerca 15 anos era "improvável" estudos na área de sociologia e política sobre a sexualidade. "Comecei a minha pesquisa porque queria entender o que acontecia naquele momento de aproximação entre Ongs e Estados".
Por William Magalhães 1/7/2009 - 12:01
Manhã de quarta-feira, 10 de junho de 2009, Rio de Janeiro, Uerj. Um encontro que antecedeu o XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos (LASA) reúne os principais pesquisadores sobre movimento social e sexualidade do país.
O evento, idealizado para debater a trajetória do movimento LGBT e a pesquisa em sexualidade, teve coordenação do CLAM - Centro Latino Americano de Sexualidade e Direitos Humanos - e contou, na mesa de abertura, com a participação de Peter Fry, James Green, Richard Parker e Regina Facchini em debate mediado pelo antropólogo Sergio Carrara.
O primeiro a falar foi Peter Fry. Autor, junto com Edward McRae, do livro "O que é homossexualidade", contou sobre sua chegada ao país na década de 60. Sua primeira percepção foi a de um Brasil machista, mas de certa forma liberal com "meninas que usavam decotes". "Senti alívio por sair de um país que, naquela época, punia os homossexuais", afirmou o inglês.
Fry, que também é autor de "Para inglês ver: Política e identidade no Brasil....", falou sobre o começo de seu interesse em fazer política e, em especial, política sexual. Ele conta que participou de um congresso na Associação de Antropologia Mexicana e lá percebeu uma "batalha entre as pessoas da razão prática e do simbolismo".
"No início do movimento homossexual havia um autoritarismo. Alguns diziam que os michês tinham que ser informados sobre suas verdadeiras identidades", disse o professor recém-aposentado da UFRJ. Fry lembrou de um artigo chamado "Ser ou estar homossexual", que escreveu para o jornal Lampião da Esquina baseado na fala de um ministro que declarara que estava, e, não era, ministro. Peter lamentou o fato de não ter colaborado tanto quanto gostaria para o tabloide e comentou não ter tão fechado o conceito de identidade sexual.
Posição esta que levou a alguns desentendimentos com seu amigo Luiz Mott. Fry também rasgou-se de elogios para o movimento LGBT que viu florescer. "Estou em dívida com o movimento. Se hoje me sinto confortável é por causa do movimento que eu não participei". O discurso de Peter tinha uma conclusão. A de que a vida possui muitos caminhos [o da militância, o da academia, entre outros] e eles se cruzam, como em eventos no qual participava.
Divisões e partidarismo
O historiador James Green (na foto, com a mão no rosto ao lado de Carrara) falou em seguida. Lembrou que já era militante desde 1973, quando ainda morava nos Estados Unidos e era um "feminista convicto". Sua entrada no Somos aconteceu em setembro de 1978. Como era ativista, Green acreditava que o movimento podia, sim, se tornar próximo da política, em especial da esquerda da época.
Como se sabe, essa divisão nos pontos de vista acabou gerando um racha no Somos. Green falou a respeito. Disse que João Silvério Trevisan, que participou da fundação do primeiro grupo ativista do país era uma das poucas pessoas que, tendo vivenciado experiências no movimento gay americano, tinha uma visão do que poderia acontecer com o movimento, no sentido de que rumos tomaria e como se fortaleceria. "No começo o movimento tinha uma falta de pessoas que podiam imaginar perspectivas". Green fala do escritor paulistano em outro momento, quando diz que "o Trevisan, já naquela época era cético em relação à esquerda e era contra o que chamavam e arregimentação".
Green cita uma ideia pré-matura naquela época da criação de uma entidade nacional que agregasse todas as outras, papel hoje cumprido pela ABGLT. Ele falou também um pouco sobre como era o diálogo com a esquerda da época. "Não acreditavam em gays na classe operária". para o historiador, naquela época ninguém "imaginaria o [hoje presidente] Lula, abrindo a Conferência Nacional LGBT, apesar das limitações dele".
O professor de história da Brown University classificou o movimento brasileiro como o "mais importante que existe no mundo". Afirmou ser "fundamental" a articulação da militância com membros da academia e falou sobre seu próximo projeto, a biografia do ativista Hebert Daniel, falecido em decorrência de Aids no início da década de 90.
Por fim, ele sugeriu para que as pessoas que possuam materiais sobre a história do movimento LGBT doem à Unicamp. "Para que tenhamos pelos menos um lugar no país que tenha documentos dessa história".
Divisão em três momentos
O antropólogo Richard Parker, que tem amplo trabalho de pesquisa em HIV/Aids apontou que "falta pensar na articulação do movimento coma militância que atua em prevenção de HIV/Aids". Pensando nisso, ele faz uma divisão da história em três fases: 84 a 92 é o movimento heróico; de 92 a 97 quando acontece o acesso aos medicamentos antiretrovirais; e de 97 até hoje.
Parker então situa o primeiro momento como o de dupla ação. Ocorre desarticulação do movimento homossexual por causa da morte de lideranças em decorrência da Aids. Em contrapartida, outros ativistas passam a investir seus esforços na questão da prevenção. Aí também se dá um conflito entre os ativistas e o Estado, por conta de campanhas terroristas promovidas pelo Programa Nacional DST/Aids.
O segundo momento então, a partir do início dos anos 90, é marcado pela entrada de militantes no governo, ainda que como funcionários do segundo escalão. Nessa época acontece também uma "agitação cultural em torno da questão homo", conceitua Parker, como o surgimento do festival Mix Brasil. É também a partir daí que o movimento passa a receber verbas governamentais para o combate à Aids e começa a ter suas fontes de renda. Parker crítica esse modo de "sustento" apontando ganhas e perdas nesse financiamento.
A partir de 1997, que marca o terceiro período, até os dias de hoje é quando a epidemia se estabiliza, mas não entre a população gay. É nessa fase que o estado começa a incorporar as questões de Direitos Humanos e uma mudança "estranha e surpreendente" passa a acontecer com o surgimento das questões dos direitos sexuais.
A última fala, da antropóloga Regina Facchini, foi permeada por um tom mais pessoal e focou bastante a questão da academia. A ativista falou que há cerca 15 anos era "improvável" estudos na área de sociologia e política sobre a sexualidade. "Comecei a minha pesquisa porque queria entender o que acontecia naquele momento de aproximação entre Ongs e Estados".
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