domingo, 5 de julho de 2009

Perseguição a sete diplomatas brasileiros gays completa 40 anos(03/07/2009)

Fonte:
http://mixbrasil.uol.com.br/mp/upload/noticia/3_52_73378.shtml
Por Thereza Pires


Qualquer notícia sobre perseguição política ou homofobia me atinge no lado esquerdo do peito - meu marido é anistiado político e meu filho é gay. E foi indignada que li sobre mais um coquetel de intolerância perpetrado pela ditadura militar que assolou o País, numa reportagem de impacto, assinada por Bernardo Mello Franco e publicada no caderno “O País”, páginas 10 e 12 , do jornal carioca O GLOBO, edição de domingo, 28 de julho.

Não só no Senado de hoje mas, também em pleno período dos anos de chumbo da ditadura militar, aconteciam atos às escondidas. O jornal teve acesso a um dossiê secreto do Serviço Nacional de Informações.

Abril de 1969
Aposentadoria compulsória, expulsão sem direito de defesa e violação de intimidade foram as armas usadas pela abominável Comissão e Investigação Sumária, criada pelo ministro Magalhães Pinto e presidida pelo embaixador Antônio Cândido da Câmara Canto, com a assistência dos embaixadores Carlos Sette Gomes Pereira e Manoel Emílio Pereira Guilhon.

O grupo, que aproveitou o rabo de foguete conhecido como Ato Institucional número 5, o AI-5 (dezembro de 1968), elaborou uma lista e tomou providências rápidas para afastar dos quadros do Itamaraty 15 diplomatas, 8 oficiais de chancelaria e 25 servidores administrativos.

Foi a maior caça às bruxas da história da diplomacia no Brasil. Alcoolismo, desinteresse pela carreira, indisciplina funcional e “emoções instáveis” também serviram como pretexto para a violência, mas a carga pesada ficou mesmo para sete diplomatas que atentavam contra “os valores do regime pela prática de homossexualismo, incontinência pública escandalosa”. A quatro deles foi imposto um exame médico para verificar a orientação sexual. Não restaram registros sobre essas consultas.

A Vinícius de Morais, coube uma aposentadoria compulsória. Então primeiro secretário, foi demitido porque, segundo o CIE (Centro de Informação do Exército) “sendo boêmio, parece ter errado de profissão e era sócio do Centro Brasileiro de Cultura ) - organização de fachada do movimento comunista internacional” (não seria o Centro Popular de Cultura da UNE? Ah, como eram desinformados os milicos).

Mas no peito dos gorilas também batia um coração e, compreendendo que o doce Poetinha era “homem de letras e artista consagrado”, propuseram que fosse aproveitado no Ministério da Educação e Cultura.

Carreiras desfeitas, vidas destruídas
Na sarabanda do preconceito entraram oito serventes, cinco porteiros e auxiliares de portaria e um mensageiro. Os humildes servidores foram companheiros, em arbitrariedade, de diplomatas de carreira cassados por "risco de segurança", já que seriam simpatizantes do comunismo.

Ricardo Joppert
Era uma vez, um programa de televisão chamado “O céu é o limite” que, como diz o nome, testava conhecimentos em troca de prêmios altíssimos para a época, algo semelhante ao filme ganhador do Oscar de 2009, ”Quem quer ser um milionário?”
No final dos anos 50, um moço de 16 anos parou o Brasil durante semanas, respondendo sobre a China.

Li Ti-tsun, então embaixador da República da China, o ministro de Educação, Chang Chi-yun, e o vice-ministro de Relações Exteriores Shen Chang-huan o convidaram para conhecer o país. O moço era Ricardo Joppert e a viagem rendeu um livro chamado “A China é sempre Formosa” (Editora:Livraria Fleming,1958) jogo de palavras e primeiro de uma série.

Aos 28 anos, já segundo secretário no consulado de Gotemburgo, Ricardo Joppert foi chamado às pressas ao Brasil e, no jornal distribuído no avião, ficou sabendo que estava aposentado. “Nunca escondi que era homossexual. Na época isso era visto como problema porque a sociedade não estava preparada para encarar minorias”, conta Ricardo, que foi reintegrado em 1986 e hoje trabalha no Museu Histórico Nacional.

Raul José de Sá Barbosa
A matéria de O GLOBO também informa que Raul era primeiro secretário na Embaixada do Brasil em Jacarta e o próximo a ser indicado para promoção por antiguidade quando recebeu um telegrama informando sobre a aposentadoria compulsória.

Como se não bastasse a homofobia, sofreu uma sobrecarga de pena: dois meses na Indonésia recebendo o equivalente a um salário mínimo na moeda brasileira da época.
Quem conhece a discriminação de perto, pode imaginar o que foi a volta do diplomata ao Brasil: eu sempre conto que os cassados pela ditadura, em quaisquer níveis, eram considerados lixo, zero, pertencentes ao mais baixo escalão da raça humana e ele lamenta nunca mais ter sido procurado por nenhum colega de turma, todos, hoje embaixadores.

Raul Barbosa é tradutor muito considerado, traduziu Virginia Woolf e Charles Dickens e vive em Santa Teresa, no Rio, sozinho com seu cachorro.

Nair Saud
Nair era oficial de chancelaria e trabalhava no Itamaraty desde os 17 anos. Foi seu primeiro emprego. Hoje, aos 86, ainda não conseguiu absorver a cassação por “risco de segurança”, de acordo com a Comissão de Investigação Sumária.

Diz que durante oito anos perdeu contato com o irmão, que preferia “ter uma irmã prostituta a uma irmã comunista”. “Era mentira, nunca me meti com política. Gente que frequentava minha casa deixou de me cumprimentar como se eu tivesse uma doença”, diz Nair, emocionada.

Era exatamente assim. Como Nair, também me emocionei ao fazer esse texto. E discordo do Ricardo Joppert: a sociedade ainda não está preparada para quem pensa diferente.

Mando um recado carinhoso para Raul Barbosa: eu sei e você deve saber que, quem vive com um cachorro fiel, nunca está sozinho.

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